Uma sucessão de acontecimentos não relacionados fez surgir uma teoria um tanto quanto estranha na internet nos últimos dias. Ela atribui o fechamento prolongado do Aeroporto de Guarulhos no início da manhã do dia 22 de maio, uma terça-feira, à inauguração de uma nova linha de trem da CPTM, empresa do governo do estado de São Paulo. Nesse dia, o terminal aeroportuário teve de desviar dezenas de voos que pousariam entre 5 horas e 8 horas por conta do severo nevoeiro que surgiu na região.
Problemas de visibilidade não chegam a ser novidade nessa época de outono e inverno quando é comum o clima estar seco e aberto. Mas o fato de o sistema ILS da cabeceira 9R, pista mais utilizada para pousos em Guarulhos, estar inoperante desde o começo do mês fez com que alguns boatos que já circulavam na internet ganhassem vulto. Nessa história confusa e até o momento sem comprovação, tudo teria começado no dia 1º de maio quando houve um problema nesse ILS, o mais avançado do aeroporto, da chamada categoria 3A, que permite pousos com apenas 15 metros de teto e 200 metros de visibilidade horizontal.
Naquele domingo, a nova linha de trem realizava seu segundo dia de operação. Para quem não conhece o entorno do aeroporto, esse novo ramal, batizado de Linha 13-Jade, foi construído numa via elevada que passa ao lado da avenida Hélio Smidt, ou seja, na cabeceira oeste das pistas. No trecho bem em frente à cabeceira 9 da direita, a via foi rebaixada quase ao nível da superfície para não interferir na rampa de pouso do aeroporto.
Diante do problema do ILS, o DECEA, divisão de controle do espaço aéreo, desativou o equipamento e tem feito testes para descobrir a razão das oscilações de dados emitidas por ele, segundo relatos de pilotos que o utilizaram. Até o momento, segundo a Aeronáutica, ainda não foi possível determinar a causa e qual a solução para essa situação.
Atraso inevitável
A possibilidade de interferência no sistema de pouso surgiu num comentário em uma rede social em dezembro passado. Segundo uma pessoa que se dizia funcionária de “tráfego aéreo”, a CPTM e a Aeronáutica não haviam conseguido determinar se a via seria capaz de interferir no ILS e que chegou-se a ventilar durante o projeto da linha de trem em torná-la subterrânea na região do aeroporto.
Na visão desse funcionário, apenas com a eletrificação, ou seja, o funcionamento da rede aérea que alimenta os trens, seria possível medir a suposta interferência. Há poucas semanas, essa mesma pessoa afirmou que o trem interferia no ILS e que estavam tentando descobrir porque isso ocorria. O site tentou contato com essa pessoa mas não obteve resposta até o momento da publicação desse artigo.
Também consultada, a CPTM não quis se manifestar. Numa conversa informal com um funcionário da empresa, a informação é que os testes foram feitos e não revelaram qualquer problema. A Aeronáutica, por sua vez, classificou a acusação de absurda, mas revelou que testes com um avião laboratório foram realizados no domingo, dia 20, e que confirmaram que não há relação entre o trem e o ILS: “Diversos cenários foram avaliados. Diferentes configurações do sistema de transporte (parado, em movimento, energizado, linhas de transmissão, etc) foram verificados por equipamentos em terra e por aeronave laboratório. Durante os testes, não foi constatada nenhuma modificação do cenário eletromagnético. Portanto, o sistema férreo, dentro da análise feita até o momento, não causa qualquer prejuízo aos equipamentos ILS de Guarulhos”, diz a nota enviada ao Airway.
A grande imprensa, como é quase uma praxe quando abordam assuntos técnicos, criou outro factóide, o de que o ILS desligado teria sido a causa do fechamento, o que foi rechaçado pela Aeronáutica: “Equivocadamente, tem-se atribuído os atrasos e os cancelamentos dos voos de terça-feira (22/05) exclusivamente à inoperância do sistema ILS. No entanto, a severidade do nevoeiro não teria permitido que o aeroporto operasse, em boa parte do período, mesmo que o sistema estivesse em funcionamento. As condições no aeródromo estavam abaixo das mínimas de segurança para qualquer sistema de aproximação de pouso naquela localidade”, explica o texto que ainda lembra que “o ILS Categoria 2 já está operando normalmente. O sistema é de alta precisão e auxilia o pouso sob condições de teto e visibilidade bastante restritas”.
Caso semelhante em Porto Alegre
O Airway levantou as condições meteorológicas no período de fechamento. Elas confirmam que mesmo com o ILS 3A da cabeceira ativo não seria possível operar por conta da baixa visibilidade. Segundo o Metar, boletim meteorológico utilizado pela aviação, a visibilidade horizontal em Guarulhos, que era de 8 km às 5 horas da madrugada, caiu para apenas 800 metros às 5h45 e depois para até 200 metros às 6 horas, permanecendo assim por cerca de 1 hora e meia. Às 7h50 a visibilidade melhorou para 500 metros e 10 minutos depois, para 1.500 metros, à medida que o nevoeiro se dissipava – o terminal voltou a operar para pousos às 8 horas da manhã.
De fato, as condições no momento impediam o pouso mesmo com o ILS 3A. Apenas as versões mais capazes como a3B (15 metros de teto e 50 metros de visibilidade) e o 3C (visibilidade zero) teriam mantido o aeroporto aberto. Quanto à possível interferência da linha, seja pela rede elétrica ou outros sistemas, parece algo pouco provável que ela possa causar isso. Uma linha de trem com alimentação elétrica aérea (pelas chamadas catenárias) não é algo inédito. Inclusive temos um caso no Brasil e numa distância bem menor que a de Guarulhos. Trata-se do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre.
A apenas 500 metros da cabeceira 11 passa uma linha da Trensurb que possui as mesmas características técnicas da linha da CPTM. Em Guarulhos, a via está a mais de 800 metros do início da pista 09R que além do mais fica numa altitude um pouco maior que a linha.
Se ainda resta dúvida a respeito do assunto ela deverá ser sanada a partir de junho quando a linha de trens passar a operar das 4h40 à meia-noite. Com trens o tempo todo será bem mais fácil comprovar essa suposta interferência. Ou não.
Veja mais: O avião arremeteu? Entenda como funciona o procedimento
Depende da categoria do ILS podem ser afetados pelo “noise” e pelo EMI _ Interferência Eletromagnética sim. Recomendo ler vários artigos sobre o aeroporto de Heathrow e vão entender o problema do ruído no ILS.
Caro autor, operei na manhã do dia 22 em Gru e havia um NOTAM informando a inoperância dos sistemas de ILS das cabeceiras 09R e 09L. Não estou defendendo a teoria mas a alegação de que o aeroporto não funcionou de qualquer forma não é verdadeira. O aeroporto operou varias decolagens, incluindo a minha, e só não operou entre as 6h30 e 7h da manhã aproximadamente, quando a visibilidade caiu abaixo dos 225m. Nessa manhã também o aeroporto operou exclusivamente com o procedimento RNAV (GNSS) U 09R, com visibilidade requerida incompatível com condição de nevoeiro. Concluindo, na reportagem foi utilizado ILS no singular mas o que atrapalhou a operação foi a suspensão do ILS em ambas as cabeceiras 09R e 09L.
Observando os Metar do dia mencionado, fica claro que – ainda que o aeroporto tivesse fechado – teria sido por muito menos tempo se os ILS Cat I estivessem operantes. Com os Cat II teria sido por menos tempo ainda e com o Cat IIIA nem teriam fechado.
Olá, Eduardo, tudo bem? Obrigado por seu relato e explicação. Vou retificar a informação no texto.