Pouca gente ouviu falar do “Projeto Convertiplano”, um dos programas de pesquisa aeronáutica mais ousados e complexos conduzido no Brasil e que poderia ter colocado a indústria nacional na vanguarda tecnológica da aviação já na segunda metade do século XX.
A história do projeto remonta aos primeiros anos do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) – atual DCTA – Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial -, em São José dos Campos (SP), que na década de 1950 já era o grande polo de desenvolvimento aeronáutico do Brasil.
Com uma base de pesquisas promissora e um enorme entusiasmo, faltava ainda ao CTA mais engenheiros experientes e projetos ambiciosos. A solução encontrada na época foi a “importação” de um dos projetistas mais renomados (e polêmicos) do mundo naquele tempo: o alemão Henrich Focke, uma das maiores mentes da Alemanha nazista.
Co-fundador da Focke-Wulf, fabricante alemã que produziu alguns dos aviões mais espetaculares no período da Segunda Guerra Mundial, “Herr” Focke visitou as instalações do CTA em 1951 para discutir a possibilidade de trabalhar no Brasil e em seguida retornou para a Europa.
Em 1952, convencido de que poderia executar suas ideias em solo tupiniquim, o engenheiro alemão retornou ao Brasil. Na bagagem, Focke trouxe uma série de projetos e uma equipe de 20 especialistas de alto gabarito.
Entre tantos rascunhos, o que mais interessava aos brasileiros era o “Heliconair”, um projeto que Focke havia iniciado enquanto ainda trabalhava na Holanda, nas indústrias Fokker. A ideia do alemão era um sonho de muitos engenheiros: um veículo que combinava a versatilidade do helicóptero com as vantagens do avião, sendo capaz de voar a grandes velocidades e ainda assim pousar e decolar verticalmente. Posteriormente, esse tipo de aeronave seria classificada como VTOL (Vertical Take Off and Landing – capacidade de decolar e pousar verticalmente).
Num Brasil ainda bastante arcaico, com pouquíssimos aeroportos espalhados pelo território, um convertiplano poderia assumir um papel de destaque no transporte aéreo de passageiros e cargas, podendo operar a partir de qualquer clareira ou pequenas pistas adaptadas.
Projeto extremamente complexo
O livro “Construção Aeronáutica no Brasil – 100 anos de história”, de Roberto de Pereira de Andrade (1940-2015), traz o relato mais completo sobre o Projeto Convertiplano, embora cite que muitos detalhes do programa permanecem “obscuros” até hoje.
De acordo com a obra, a equipe de Focke planejava construir um protótipo de convertiplano para testar as manobras de passagem do voo vertical para o horizontal e vice-versa, utilizando os meios e recursos disponíveis no Brasil daquela época. A aeronave de testes seria uma versão altamente modificada de um caça Supermarine Spitfire comprado de segunda mão da Inglaterra.
A proposta original previa o uso de um turbina “Double Mamba”, fabricada na Inglaterra. O motor era adequado ao projeto devido aos seu tamanho compacto, alta potência e baixo nível de vibrações. Os britânicos, no entanto, barraram a venda desse equipamento ao Brasil.
Sobre a negativa dos ingleses em vender a turbina, Andrade escreveu o seguinte em seu livro: “Não se sabe se a Inglaterra desacreditava das possibilidades brasileiras para executar tal projeto ou se antipatizava com a equipe alemã. Ou ainda se temia que sua preciosa turbina, na época ainda bastante secreta, acabasse em ‘outras mãos’ menos recomendáveis”.
Sem conseguir a valiosa turbina, Focke teve de se virar com o que tinha em mãos, um pesado motor radial norte-americano Wright de 2.200 HP, idêntico ao que era utilizado no aviões comerciais Lockheed Constellation, as maiores aeronaves em serviço no Brasil na década de 1950.
Com a troca do motor, o projeto teve de ser totalmente repensado. Do Spitfire que serviria de base ao projeto, restou apenas as asas, trem de pouso e estabilizador vertical. “O resultado foi um monstrengo gordo e nada elegante”, como descreveu Andrade em sua obra.
A equipe de Focke baseada no CTA também construiu um banco estático de provas, onde o motor e o sistema de transmissão (construído pela BMW) com quatro rotores basculantes foram submetidos a mais de três mil horas de teste. No período de maior atividade do programa, em meados de 1953, cerca de 50 pessoas trabalhavam no convertiplano.
Todo o desenvolvimento do projeto era realizado no mais absoluto segredo, escondido do público e da imprensa. Exceto pelos profissionais do CTA, são raros os relatos de pessoas que testemunharam os testes ou viram o protótipo de perto.
O silêncio sobre o projeto escondeu as dificuldades que a equipe de Focke enfrentava em São José dos Campos. O motor radial e a transmissão com tantas engrenagens gerava um altíssimo nível de vibração. Apesar disso, os engenheiros do CTA conseguiram colocar o “monstro trepidante” dentro dos limites aceitáveis do projeto.
Em 1953, o protótipo do convertiplano estava quase pronto. Os testes do sistema propulsor no banco de provas mostraram que era possível girar os quatro rotores em sincronia, permitindo a aeronave passar do voo vertical para o horizontal.
No entanto, o apoio governamental necessário para o projeto ir adiante começou a ficar escasso, assim como as verbas. Desta forma, o ritmo do trabalho foi reduzido e os técnicos estrangeiros trazidos por Focke começaram a deixar o Brasil à medida que seus contratos não eram renovados.
O fim de um sonho
Em 1955, foi a vez de Focke se despedir do Brasil e o Projeto Convertiplano foi encerrado em silêncio sem alçar voo. Apesar do fracasso, o programa trouxe importantes avanços para a indústria aeronáutica brasileira, entre eles o impulso ao CTA, que uma década mais tarde seria essencial na criação da Embraer, fundada em 1969 como uma empresa estatal.
O destino seguinte de Focke foi os EUA, que começavam, naquela época, a investir pesado no conceito VTOL. Os estudos do engenheiro alemão na América do Norte deram origem a uma grande variedade de projetos, entre eles o modelo experimental Bell XV-15, que mais adiante evoluiu para o formato do V-22 Osprey, hoje a aeronave mais famosa nesse nicho.
Fonte: Construção Aeronáutica no Brasil – 100 anos de história, Roberto de Pereira de Andrade, JAC Editora.
Então podemos dizer que o começo do projeto do V-22 Osprey pode ter começado aqui no Brasil?