A aviação comercial brasileira está prestes a passar por um período de mudanças importantes, caso os planos que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) preparou sejam aprovados. Além do aumento de capital estrangeiro em empresas nacionais, antes limitado em 20% e recentemente ampliado pelo governo brasileiro para 49%, um novo pacote de alterações desta vez pode mexer com a vida e bolso dos passageiros.
“Boa parte da proposta traz de fato benefícios para o consumidor, mas existem alguns pontos que não considero positivos”, contou Marco Antonio Araújo Junior, presidente da comissão de defesa do consumidor da OAB-SP, ao Airway.
A proposta da ANAC para revisão das Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGT) está em audiência pública até o final deste mês e aberta a sugestões para alterações no texto, que podem ser sugeridas por empresas, órgãos de defesa do consumidor ou por qualquer pessoa. A votação da revisão será realizada no final de março.
“Grande parte das alterações propostas revelam direitos já previstos, ainda que de forma indireta, no Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo questões que foram ou estão sendo pacificadas pela jurisprudência brasileira”, acrescentou Araújo.
Algumas medidas podem representar grandes alívios aos passageiros, como a sugestão de transferência do bilhete para outra pessoa ou direito de desistência com reembolso integral dos valores pagos. Mas um ponto em especial está sendo muito discutido: a redução ou até o fim da franquia de bagagem.
Sugestões polêmicas
O custo do transporte das bagagens está embutido no valor das passagens aéreas. Assim, quem utiliza o serviço paga por ele e quem não utiliza acaba pagando também. “Só é possível admitir a redução da franquia de bagagem ou a supressão desse direito, como propõe a ANAC, se houver redução proporcional no preço da passagem, de forma que o consumidor que não se utilizar do serviço possa pagar menos e não se sentir injustiçado”, advertiu o presidente da comissão da OAB.
Se aprovada, a franquia de bagagens será reduzida gradativamente. O primeiro passo seria aumentar o limite da bagagens de mão dos 5 kg atuais para 10 kg, proposta que Araújo considera “inexequível”(que não tem condições de ser executada). “Se todos os passageiros levarem uma bagagem de 10 kg não vai ter espaço na aeronave, como as usadas pelas companhias aéreas brasileiras. Essa premissa precisa ser comprovada”, avisa.
A revisão da ANAC ainda exclui a franquia de bagagem despachada em voos nacionais e reduz quase pela metade o benefício em trechos internacionais. Pelo regulamento atual, passageiros em voos domésticos podem despachar um volume de até 23 kg, enquanto quem voa para fora pode remeter 74 kg em dois volumes.
Outra sugestão no texto da ANAC que o especialista em direitos do consumidor considera “absurda” é a redução ou até suspensão da atual “assistência material” (acomodação, alimentação e comunicação) entregue aos passageiros de voos cancelados por motivos de força maior.
“Da forma como está no texto na ANAC a ideia é um absurdo. Abre a possibilidade para cancelar a assistência aos passageiros em casos cancelamento do voo motivados por mau tempo, manutenção na aeronave ou atraso da tripulação. Isso é responsabilidade das companhias e aeroportos”, explica Araújo. “Nos Estados Unidos os aviões decolam até debaixo de neve, enquanto aqui os aeroportos fecham quando chove. É preciso investir em tecnologia”, acrescenta.
Fim das ofertas “pegadinhas”
Já reparou nas promoções de companhias aéreas com preços convidativos acompanhados de um asterisco bem pequeno? A ANAC quer acabar com esse tipo de publicidade, que normalmente mostra apenas o valor da passagem, sem incluir as taxas de aeroporto e outros custos da operação.
“É uma alteração positiva e um ponto que absolutamente precisa ser regulamentado. O Código de Defesa do Consumidor já impõe que a informação da propaganda precisa ser transparente e correta. Um oferta que mostra o valor incompleto já pode ser considerada uma propaganda enganosa. É uma regra que já existe, só falta fiscalização”, contou Araújo.
Outras propostas no plano de revisão da ANAC
Possibilidade de transferência do bilhete – No formato atual, o bilhete é pessoal e intransferível, exceto se o contrato dispuser de forma diversa. A nova regra propõe a chance de mudar o passageiros no cartão de embarque.
Correção de nome no bilhete – Existem companhias que cobram para efetuar correções no nome do passageiro no bilhete, que se estiver errado pode impedir seu embarque. A ANAC sugere que as empresas efetuem a correção antes da emissão das passagens sem custos.
Direito de desistência – O passageiro poderá desistir da compra da passagem com 100% de reembolso até 24 horas depois de concretizada desde que o bilhete tenha sido adquirido com antecedência mínima de 7 dias da data do voo.
Alteração programada pela companhia – Para alterações superiores a 15 minutos, caso o passageiro não concorde, a companhia deverá oferecer remarcação para data e hora de conveniência em voo próprio ou de terceiros sem ônus ou reembolso integral. Se a empresa não avisar a tempo de evitar que o passageiro compareça ao aeroporto, deverá prestar assistência material e reacomodar o passageiro na primeira oportunidade em voo próprio ou de terceiro.
Vedação do cancelamento automático do trecho de retorno – O não comparecimento do passageiro no primeiro trecho de um voo de ida e volta ou de múltiplos destinos não ensejará o cancelamento dos demais trechos desde que o passageiro comunique à companhia, por qualquer meio e com antecedência de duas horas do primeiro voo
Indenização em caso de preterição – A companhia aérea deverá indenizar o passageiro que vier a ser preterido (como em overbook).
Prazo para reembolso -Por solicitação do passageiro e de acordo com as regras do contrato, o reembolso ou estorno deve ocorrer em até 7 dias da solicitação. O reembolso por atraso, cancelamento, interrupção ou preterição deverá ser imediato.
Providências em casos de extravio de bagagem – Em casos de extravio, o passageiro de voo doméstico ou com destino ao Brasil receberá uma ajuda de custo tarifada imediata de R$ 515. Nos casos de extravio em voo com destino internacional, a companhia deverá reembolsar as despesas no limite de R$ 5.824, a ser pago em até 14 dias.
Todas as sugestões do plano de revisão podem ser conferidas no site na ANAC. Sugestões sobre mudanças no texto ou novas ideias podem ser enviadas pelo mesmo canal.
Veja mais: Conheça quais são as companhias “donas” dos aeroportos brasileiros