Num cenário onde a demanda de passageiros em voos de longo alcance diminiu brutalmente e que indica uma tendência para uma retomada demorada o que fazer com um jato capaz de transportar mais de 400 pessoas? Essa é a pergunta que as cabeças pensantes na Boeing devem tentar responder há varios meses. Afinal, qual será o futuro do 777X, o maior jato de bimotor da história?
Até há poucos anos, lançar o 777X parecia algo natural para a Boeing. O envelhecimento dos quadrirreatores e o alto custo em operá-los indicava uma oportunidade que apenas a fabricante dos EUA poderia aproveitar sem que fosse necessário um grande investimento. Isso porque a base para um imenso birreator já existia, o bem sucedido 777, e bastava que ele incorporasse a evolução obtida no 787 para que surgisse daí uma aeronave eficiente e ao mesmo tempo com uma capacidade inigualável.
Quando foi confirmado, em 2013, o 777X se apresentava como uma alternativa para clientes da série original do jato e também para companhias aéreas que operavam o 747. Além disso, a nova família, formada pelos modelos 777-8 e o 777-9, oferecia maior alcance e capacidade de passageiros que o rival A350, da Airbus.
De lá para cá, entretanto, o mercado de voos internacionais de longa duração mudou. Primeiro com a expansão das rotas diretas entre cidades menores proporcionada por widebodies como o 787 e A350. Depois com a chegada ao mercado de jatos narrowbodies com maior alcance como o A321LR e mesmo o A320neo e 737 MAX, capazes de absorver parte da demanda que antes era obrigada a se deslocar para grandes hubs para chegar aos seus destinos.
Mas foi sem dúvida a pandemia do COVID-19 que tornou o futuro dos grandes aviões de passageiros uma incógnita. Hoje a Boeing e a Airbus sofrem com poucos pedidos de seus widebodies já homologados e menores que o 777X.
Caminho sem volta
É nesse clima imprevisível que a Boeing segue com o desenvolvimento do 777X. Com quatro aeronaves de testes da variante 777-9 em uso atualmente, além de estar na reta final da montagem dos primeiros exemplares de produção, a companhia americana vislumbra obter a certificação do imenso jato em 2022, quando então deverá entregar as primeiras unidades para a Lufhtansa, caso não surjam imprevistos.
O problema é saber se até lá a carteira de pedidos será ampliada ou mesmo mantida. Até outubro, a Boeing contava com 309 encomendas do modelo, metade delas de três companhias aéreas do Oriente Médio – Etihad, Qatar Airways e Emirates. Esta última, que fechou o maior acordo pelo 777X até hoje, já reduziu seu contrato e estuda uma nova mudança diante das perspectivas menos otimistas em sua malha de voos.
A grande questão é saber se a Boeing não está cavando sua própria cova ao seguir em frente com esse programa. Jens Flottau, editor executivo da Aviation Week, publicou um artigo na sexta-feira (27) analisando se a saída seria acabar com o projeto do 777X. Na sua opinião, apesar do futuro incerto, já não há mais como voltar atrás, já que a maior parte do investimento foi realizada. Mas certamente será um processo de certificação tão doloroso quanto o que levou a FAA a analisar por vários meses as mudanças do 737 MAX.
Para Flottau, no entanto, o 777X é fundamental porque o 777 clássico e o 787-10 não conseguem competir com o A350. Em outras palavras, o gigante servirá ao menos para fazer a Airbus dar maiores descontos em seus aviões e assim não entregar a clientela de bandeja. A regra vale também na direção contrária em relação ao A330neo, que tem vendas modestas, mas consegue pressionar comercialmente a Boeing com o Dreamliner.
Resta saber se haverá fôlego financeiro para a Boeing levar o programa 777X à frente por muitos anos enquanto ela absorve prejuízos bilionários.
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