Imagine a cena: você está prestes a embarcar num voo de São Paulo ao Rio de Janeiro e em vez de ir até o Aeroporto de Congonhas seu avião decola de uma pista curta de 300 metros de extensão ao lado da Marginal Pinheiros e a uma distância a pé de vários edifícios corporativos na região. Soa como ficção mas essa aeronave existiu, o Breguet 941.
Concebida pela fábrica francesa criada por Louis Breguet (e que mais tarde se uniria à Dassault), o turboélice de quatro motores foi pensado para proporcionar decolagens e pousos em espaços diminutos. Para isso utilizava um conceito que unia hélices de grande diâmetro e que cobriam praticamente toda extensão das asas com flaps de grande deflexão (de até 100º) que direcionavam parte do fluxo de ar para o solo, criando o efeito que maximizava sua sustentação em baixas velocidades.
O resultado dessa combinação era um avião que podia decolar em apenas 300 metros e pousar em inacreditáveis 150 metros, ou algo como dois campos de futebol. Detalhe: o Breguet 941 podia transportar até 64 passageiros, ou seja, não era exatamente uma aeronave de pequeno porte.
Para colocar o conceito em prática, Breguet construiu o modelo experimental 940, menor e que voou pela primeira vez em 1958. Com o sucesso da receita, a fabricante francesa partiu então para o mais capaz 941, cujo voo inaugural ocorreu em 1º de junho de 1961.
A peculiar aeronave chamou a atenção dos americanos, que estudavam várias propostas STOL (Short Take-off and Landing, decolagem e pouso curto) e em 1962 a McDonnell estabeleceu um acordo de cooperação com a Breguet para estudar o conceito a fundo.
Quase na mesma época, a Força Aérea dos EUA enviou representantes para Toulouse, sede da empresa, para conhecer o Breguet 941 e avaliar se ele seria uma alternativa para o país. Até aqui, o turboélice era visto como uma aeronave de transporte militar e por isso a McDonnell decidiu levá-la para os Estados Unidos para uma série de demonstrações.
Rebatizado como McDonnell 188, o avião francês voou até a América em 1964 e realizou apresentações nas bases aéreas de Andrews, Eglin e Wright-Patterson, acumulando mais de 100 horas de voo e 312 pousos. No entanto, quando estava sob o comando de um experiente piloto de testes americano, o Breguet 941 sofreu um acidente após um pouso abrupto.
Após reparos executados pela McDonnell, o turboélice retomou seus voos em 1965, sendo apresentado para a NASA e o FAA, agência de aviação civil dos EUA. Em abril daquele ano, a aeronave retornou à França com a impressão de que a turnê havia sido bem sucedida.
Nas cores da American Airlines e Eastern
Na volta à França, a Breguet recebeu a notícia que o governo do país havia encomendado quatro aeronaves, mas da versão 941 S, com fuselagem alongada em 1,52 m, e que voou pela primeira vez em abril de 1967.
Entretanto, o governo dos EUA, a despeito do ruído gerado em sua visita, não mostrou interesse pelo projeto, o que fez a Breguet e a McDonnell voltarem seus olhos para o mercado civil. Afinal de contas, suas características peculiares fariam dele uma ótima alternativa para voos de curta duração operados de pequenos aeroportos centrais. A ideia foi levada à frente e em julho de 1968 o Breguet 941 estava de volta aos EUA, agora ostentando a pintura das companhias aéreas American Airlines e Eastern Airlines.
Durante quatro meses, o McDonnell 188 realizou 350 horas de voos e fez demonstrações impressionantes em pequenas pistas improvisadas. O turboélice virou matéria de revistas conceituadas como a Popular Mechanics que destacava a proposta de criar aeroportos no centro das cidades. Segundo a publicação, o FAA até preparava algumas regras para esse tipo de operação, que exigiria pistas com comprimento mínimo de 1.500 pés (458 metros) e capacidade para suportar um peso máximo de 150.000 libras (68 mil kg).
No final da década de 60, os jatos já começavam a dominar o transporte aéreo de passageiros e suas exigências operacionais tornavam os aeroportos grandes demais. Por essa razão, a ideia de um avião STOL partindo desses pequenos campos de pouso parecia uma proposta bastante sensata.
Porém, o Breguet 941 era um avião de uma certa complexidade e custo elevado de manutenção. Seu conjunto motriz, por exemplo, utilizava hélices que não eram ligadas diretamente aos seus respectivos motores a fim de evitar que uma pane em um deles pudesse colocar a aeronave em risco. Para contornar essa situação, a fabricante desenvolveu um sistema em que toda a potência gerada era distribuída de forma igual a todas as hélices, algo visto em helicópteros, por exemplo.
Em nível de cruzeiro a 10.000 metros de altitude, o Breguet 941 atingia 450 km/h, mas sua cabine de passageiros, bastante espaçosa, não era pressurizada. A Breguet, inclusive, estudava a criação de uma versão de fuselagem circular, o 942, mas que não saiu do papel.
Inspiração para outros aviões
Vídeos de baixa qualidade da época revelavam que o Breguet 941 era mesmo impressionante. Em poucos metros, o avião já deixava o solo de forma lenta e pousava de uma maneira peculiar, com o nariz abaixado como se estivesse pendurado em algum “gancho invisível”.
A despeito das exibições bem sucedidas, a Breguet e a McDonnell nunca conseguiram encontrar um cliente para o inusitado avião. Apenas os quatro aviões de série foram produzidos para a Força Aérea da França que os utilizou até 1974, comprovando que seu conceito era viável.
A empresa americana, no entanto, participou de uma nova concorrência da USAF para um cargueiro a jato com características STOL. Seu avião conceito, o YC-15, quem diria, usava um sistema de flapes semelhante ao Breguet 941, e mais tarde se tornou o conhecido C-17 Globemaster III.
Curiosamente, o problema a que o turboélice francês se propunha a resolver até hoje segue sem solução, o tempo e a distância necessários para embarcar em um avião. As tecnologias mais recentes, no entanto, apostam justamente em operações de decolagem e pouso verticais de pontos dentro das cidades. De certa forma, pode-se dizer que 60 anos atrás o Breguet 941 antecipou um futuro que logo veremos se transformar em realidade.
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