O primeiro voo do 14 Bis em Paris aconteceu em 23 de outubro de 1906, surpreendendo de imediato toda a Europa e o mundo. Estava provado, o homem podia voar. Alberto Santos Dumont, que tratava o avião como uma arte, porém, não imaginava que em pouquíssimo tempo seu invento seria transformado em uma mortífera máquina de guerra.
Menos de cinco anos após o voo do inventor brasileiro sobre a Praça de Bagatelle, na capital da França, a Itália já estava lançando bombas a partir do novo e revolucionário meio aéreo. Em 1911, a Itália entrou em guerra contra o antigo Império Otomano, hoje a Turquia, no conflito atualmente conhecido como “Guerra Ítalo-Turca”.
No início do século XX, as técnicas de combate não eram tão diferentes quanto às que vinham sendo aplicadas nos últimos 100 anos. A base dos exércitos nesse tempo, mesmo os considerados mais modernos, era de soldados com fuzis de recarga manual, canhões e a cavalaria. Por conta desse “marasmo” tecnológico, o avião surgiu causando um impacto imenso, em todos os sentidos.
O primeiro avião militar foi o frágil Blériot XI, o mesmo utilizado por Louis Blériot em 1909 na primeira travessia aérea do Canal da Mancha. Era uma aeronave construída de madeira e tecido. O motor, de 25 hp, permitia voar a 75 km/h e alcançar até 1.000 metros de altitude. Em 1911, eram números que emocionavam generais.
Primeira missão
No dia 23 de outubro de 1911, o exército italiano executou o que é considerada a primeira operação militar da história com uma aeronave. Nesse dia, o capitão italiano Carlo Piazza voou com um Blériot XI sobre o interior de Trípoli, hoje na Líbia e na época um território otomano, em missão de reconhecimento para marcar as posições inimigas.
Nove dia depois da missão de Piazza, em 1º de novembro, a Itália realizou o primeiro bombardeiro aéreo. O militar responsável pela proeza foi o tenente Giolio Gavotti, que lançou pequenas bombas manualmente sobre tropas otomanas em Trípoli, a partir de um Etrich Taube, avião fabricado na Alemanha – e também o primeiro avião militar alemão.
As bombas lançadas pelos bombardeiros italianos pesavam cerca de 1,5 kg. No Taube, era possível carregar quatro desses artefatos, com explosivos compostos de dinamite. O ataque era como o de uma granada de mão: o piloto puxava um pino (geralmente com a boca) e lançava a bomba em baixa altitude com uma mão para fora do avião, enquanto a outra permanecia no manche.
O Taube, que em alemão significa “Pomba”, era um pouco maior que o Blériot XI e também mais potente, com motor de 85 hp. Já o tecido que revestia a fuselagem era tão fino que o avião praticamente ficava invisível no céu quando voava a mais de 400 metros de altitude, fator que também o tornava uma plataforma ideal para operações de reconhecimento.
Após as primeiras experiências, o exército italiano continuou com os voos de reconhecimento e bombardeiro contra o Império Otomano, cujos combates ficaram concentrados na região costeira da Líbia. Invariavelmente, os italianos também tiveram a primazia de ter o primeiro avião abatido da história. Em 1912, soldados otomanos derrubaram um Taube a tiros de fuzil. Foi o único abate no conflito.
Os danos causados pelos aviões italianos contra as forças otomanas são desconhecidos, mas levam a crer que foram positivos. Em 18 de outubro de 1912, o conflito foi encerrado e a Itália incorporou o território da Líbia ao seu reino. Cerca de 12.000 militares e civis das duas nações morreram durante o conflito – a Líbia se tornou independente da Itália somente em 1952.
México, o outro pioneiro da guerra aérea
Ao mesmo tempo que o conflito entre Itália e o Império Otomano terminava, outro começava no México. Em 1910, o exército mexicano enfrentava dura oposição de rebeldes, que buscavam derrubar o regime político em vigor no país. Eram os primeiros capítulos da Revolução Mexicana, a primeira das grandes revoluções do século XX. E lá estava o avião.
Porfírio Diaz, ditador do México entre 1876 e 1911, foi um dos primeiros governantes do mundo nesse tempo que se interessou pela aviação. Em 1912, o exército mexicano já estava equipado com dois monoplanos Moisant-Blériot, uma versão mais avançada do Blériot XI desenvolvida pelo engenheiro aeronáutico norte-americano John Moisant em parceria com Louis Blériot. Um modelo tinha motor de 60 hp e outro com 100 hp, um “jato” naquela época.
Nesse mesmo ano, esses aviões foram utilizados em operações de reconhecimento durante a “Rebelião de Orozco”, liderada pelo revolucionário mexicano Pascual Orozco. Entusiasmado com os resultados obtidos, o ditador mexicano bancou a formação de 31 pilotos militares na França e adquiriu mais 20 aviões.
A técnica de bombardeiro usada pelos aviadores italianos também foi aplicada no México. O primeiro ataque desse tipo no país aconteceu em abril de 1913, quando aviões da forças federais bombardearam alvos no Campo de Balbuena, na capital Cidade do México.
Um ano depois, em 14 de abril de 1913, o aviador mexicano Gustavo Salinas realizou o primeiro ataque aéreo da história contra uma embarcação. No episódio, que ficou conhecido como “Batalha de Topolobampo”, um rústico biplano Glenn Martin Sonora lançou bombas contra o navio Huerta Guerrero. Nenhuma delas acertou o alvo, mas foi o suficiente para espantar a ameaça das proximidades.
Até mesmo Pancho Villa, famoso líder da Revolução Mexicana, precisou fugir de aviões, especialmente durante o período da intervenção dos Estados Unidos no conflito, que já batia em sua fronteira no sul. Em 1916, as forças americanas organizaram diversos meios para “caçar” o líder revolucionário e suas tropas e um deles era busca inédita com ajuda de aviões, missão incumbida ao primitivo biplano Curtiss JN-3 “Jenny”. Já o exército de Emiliano Zapata foi perseguido por tropas e aviões mexicanos.
Os primeiros conflitos do século XX logo evidenciaram a importância e a eficiência da “arma aérea”. A consagração da tecnologia aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, com importantes evoluções de motorização e armamentos que permitiram a criação de aviões de reconhecimento de longo alcance, bombardeiros capazes de carregar até uma tonelada de bombas e, por consequência, as aeronaves de caça capazes de derrubá-los.
Veja mais: O avião e sua múltipla paternidade
Interessante a matéria, parabéns mais uma vez.
Sugiro artigo sobre a Guerra do Chaco, ocorrida entre 1932 e 1935, onde Bolívia e Paraguai lutaram pela região do Chaco – guerra vencida pelo Paraguai. Foi a primeira oportunidade em que tanto caças quanto bombardeiros entraram em ação na América do Sul num conflito armado.
Só uma coisa que pode levar o leitor a se “equivocar” historicamente: A Italia de 1911 não era de Mussolini, digamos assim. O Duce, aliás, em 1911, participava de manifestações contra tal guerra.
Ele se tornou Primeiro Ministro da Italia em 1922.
O autor não mencionou que, além do 14 bis, Santos Dumont também inventou o Demoiselle em 1907, melhor modelo que ele criou. Além disso, não falou da frota aérea francesa, nem comentou sobre qual a influência do “invento” dos Irmãos Wright para a aviação daquela época, já que eles mantinham segredo do que faziam até conseguir patente…
Curioso e excelente artigo; trata-se de um trecho da história não muito conhecido.
Parabéns !!!
Legal a matéria Thiago!
E no Brasil? Segundo historiadores, durante a Guerra do Contestado, uma revolta de caboclos que ocorreu no interior de Santa Catarina entre 1911 e 1916, foi onde se utilizaram pela primeira vez aviões para fins militares na América do Sul. Eram missões de reconhecimento com objetivo de identificar os acampamentos caboclos, o que acabou por mudar o rumo da Guerra que durou seis anos e causou muitas baixas no exército brasileiro, principalmente porque os revoltosos eram exímios conhecedores da região, esta, contestada entre Paraná e Santa Catarina.
Sugiro uma matéria sobre esse assunto. Seria interessante e didática.
Abraços
Marcio Lira está correto Benito Mussolini não era “Il Ducce” em 1911, alias ainda era preso por vagabundagem na Suíça.
No Brasil o avião foi utilizado pela primeira vez em conflito por ocasião da Guerra do Contestado em 1913. Daí também o primeiro acidente na cidade de Caçador-SC.
Parabéns, mais uma vez. Mas, há uma informação de que no Brasil o primeiro uso militar teria sido durante a Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916. Seria oportuno uma reportagem sobre o assunto.