Rio-Sul, a regional com DNA da VARIG

Criada para manter os voos regionais da VARIG, a Rio-Sul cresceu e passou a competir com a criadora
Um dos EMB-110 Bandeirante da Rio-Sul (Divulgação)

Em meados da década de 1970, a VARIG era uma companhia aérea que operava em quatro continentes e, após a compra da Cruzeiro do Sul, tornou-se líder inconteste do mercado. Em termos globais estava entre as 30 maiores transportadoras pelo ranking da IATA.

Além de chegar em destinos tão longínquos e exóticos como Tóquio e Luanda, a VARIG mantinha uma rede regional, principalmente em seu estado de origem, o Rio Grande do Sul, servidos com os confiáveis Avro 748.

O mercado regional vinha perdendo importância, com o surgimento de novas rodovias e os centros urbanos tornando a força motriz da economia nacional. Mas, para a VARIG, abandonar o interior gaúcho simbolicamente significava apagar sua história.

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Os Avro 748 foram desativados em 1975 e, para não deixar desassistido o interior gaúcho, a VARIG se uniu com a TOP Táxi Aéreo, a Atlântica Boavista Seguros, SulAmérica Seguros e Bradesco para formarem a Rio-Sul Serviços Aéreos Regionais, fundada em 24 de agosto de 1976 no Rio de Janeiro. Inicialmente o nome escolhido foi AeroSul,  mas alterado para Rio-Sul quando encontraram um táxi aéreo com este mesmo nome.

A VARIG teria um terço da empresa, designada a operar no Sul e com algumas rotas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Herdava da TOP Táxi Aéreo dois Rockwell Sabreliner e um Learjet 25, além de quatro Piper 31 Navajo (sendo três da EVAER – Escola VARIG de Aeronáutica) e dois EMB-110 novos.

Fokker F27 da Rio-Sul (BAA)

No dia 9 de setembro de 1976, uma semana depois de ser autorizada pelo Departamento de Aviação Civil (DAC) a operar, foi realizado o primeiro voo inaugural da Rio-Sul, de Porto Alegre à Pelotas via Rio Grande, a mesma rota que a VARIG realizou em 1927. Apesar de ser a primeira entre as empresas do SITAR a ter jatos, a Rio-Sul os empregava em serviços de táxi aéreo.

No primeiro ano de atividades, a Rio-Sul operava em 21 cidades em cinco estados, com conexões com os voos da Cruzeiro do Sul e VARIG nos aeroportos de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Naquele ano a empresa terminou com uma frota de sete EMB-110 e a malha foi crescendo até atingir 31 cidades em 1979.

Crescimento nos anos 80

No início da década de 1980, a SulAmérica Seguros vendeu sua participação para a Cruzeiro do Sul e a Fundação Ruben Berta, com o Grupo VARIG controlando dois terços da Rio-Sul. Era uma forma de contornar a regra do SITAR que proibia que  uma empresa aérea tivesse mais de um terço das ações de um regional.

Com o crescimento da demanda de passageiros regionais, em abril 1982 chegou o primeiro Fokker 27 – PT-LCX, empregado nos três voos diários entre Rio de Janeiro (Santos Dumont) e Campos, a fim de atender as operações da Petrobras. A frota da empresa totalizava em 1982 11 aeronaves, sendo quatro Fokker 27 e sete EMB-110 Bandeirante.

Fokker 50 (Pedro Aragão)

Em 1986, junto com a TAM e VOTEC, a Rio-Sul inaugurou o Voo Direto ao Centro (VDC), com os Fokker 27 realizando diariamente o os trechos Santos Dumont-Pampulha, Pampulha-Congonhas e Congonhas-Curitiba. O VDC era importante pela lucratividade do tráfego executivo, que atenuava as perdas no mercado regional.

A Rio-Sul foi a primeira regional do país a incorporar o Embraer EMB-120 Brasilia, PT-SRA, em 4 de fevereiro de 1988, sendo empregando na rota Congonhas-Caxias do Sul desde o dia 18 do mesmo mês. O novo avião representava um salto tecnológico na empresa, com capacidade para voar mais alto, mais veloz e com raio de alcance superior aos EMB-110 e Fokker 27.

A chegada do EMB-120 coroava um período de expansão acentuada da Rio-Sul: segundo o DAC, o número de passageiros transportados pela empresa foi de 162 mil em 1985 para 336.849 em 1988, ultrapassando os 327.002 passageiros da TAM no mesmo período, o que fez da Rio-Sul a maior regional por número de passageiros transportados por três anos – considerando a TAM e Brasil Central como empresas independentes.

Boeing 737-500 (Torsten Maiwald)

Fokker 50 e 737-500

Com os EMB-120, a Rio-Sul começou a devolver os EMB-110 e vendeu todos os Fokker 27, modelo 200, para a Pakistan International Airlines e a força aérea daquele país. Do bimotor holandês, sobraram o PT-LZM e PT-LZN, da versão 500, ambos desativados em 1993.

Em 11 de outubro de 1991, o Fokker 50 PH-JXK veio ao Brasil para demonstração e a Rio-Sul o utilizou até dezembro daquele ano. Satisfeita com a operação da aeronave, a empresa trouxe novamente o PH-JXK em 3 de agosto de 1992, que recebeu posteriormente a matrícula PT-SLK. No total, a Rio-Sul operou com 10 Fokker 50 até 1999.

No final de 1991, a Rio-Sul recebeu da AerLingus o Boeing 737-500 PT-SLM, como estratégia do Grupo VARIG de competir com a TAM em Congonhas. Como curiosidade, os primeiros modelos receberam a inscrição Boeing 737-500 Regional e inicialmente os voos eram realizados com tripulação mista com seus colegas da VARIG, já habilitados ao 737. O segundo 737-500 chegou em 23 de outubro de 1992 e a dupla ficou baseada em Congonhas, voando para Pampulha e Foz do Iguaçu, via Londrina.

Em 1992 houve troca de comando: saía Humberto Costa e entrava Fernando Pinto, diretor-técnico da Rio-Sul desde 1988. Em agosto de 1993, um momento simbólico da história da empresa, o PT-GKD, primeiro EMB-110 recebido, realizou o último voo do modelo na companhia.

O ERJ 145 foi batizado inicialmente como “Jet Class” (Reprodução)

Concorrência e expansão em ritmo de jato

Fernando Pinto modelou a Rio-Sul para competir com a TAM pelo público executivo. O Boeing 737-500 foi configurado para 111 assentos, contra o padrão de 120/132 de outros operadores, e investiu em Congonhas como o hub. O resultado produziu margens de lucratividade de dois dígitos, em alguns anos atingindo até 20%, enquanto a prática comum na aviação mundial oscila em 3%.

Em janeiro de 1995, a compra da Nordeste Linhas Aéreas fez o grupo colocar um pé naquela região do país. O trabalho que Fernando Pinto realizava na Rio-Sul o qualificou para virar presidente da VARIG, em 1996, e a Rio-Sul passou a ser presidida por Paulo Henrique Coco, que continuou o programa de investimentos do seu antecessor.

ERJ-145

A Rio-Sul era uma das clientes mais assíduas da Embraer e a prova foi a introdução dos ERJ-145 (na época EMB-145) na aviação brasileira. O Aeroporto Santos Dumont tinha restrições de operação para aeronaves da categoria do Boeing 737, exceto a Ponte-Aérea para Congonhas. A solução da Rio-Sul foi comprar 15 ERJ-145 e basear alguns deles no aeroporto carioca.

O dia 14 de agosto de 1997 foi memorável para a Rio-Sul: ela não só recebeu os primeiros EMB-120ER encomendados (PT-SRB/SRC/SRE) como o primeiro ERJ-145, PT-SPA – batizado de Jet Class, empregado no dia 25 de agosto entre Santos Dumont e Pampulha, data que recebeu mais dois EMB-120ER: PT-SRD e PT-SRG. Além destas aeronaves, a Rio-Sul recebeu até o final daquele ano mais dois 737-500 e seis ERJ-145.

O ERJ-145 virou o trunfo da Rio-Sul na ligação entre Santos Dumont e Brasília, sendo a única que oferecia serviços entre os dois aeroportos, uma vez que a concorrência operava a partir do Aeroporto de Galeão. Posteriormente, o ERJ-145 passou a operar entre Santos Dumont e Brasília, Campinas, Curitiba, Pampulha e Vitória.

Rio-Sul teve (Aeroprints)

Em 11 de agosto de 1998 foi apresentado o 737-500 PT-SLV com a nova identidade visual, semelhante à VARIG. As duas empresas uniram suas operações na Ponte-Aérea, passando a se chamar “Ponte VARIG/Rio-Sul”. Com dois 737-500 e cinco ERJ-145, ela transportou naquele ano 2,967 milhões de passageiros, ultrapassando a Transbrasil e tornando-se a terceira maior transportadora do país, depois da VARIG e VASP. A TAM Regional, concorrente direta, transportou 2,804 milhões e a TAM Meridional, 1,740 milhões.

A desvalorização cambial de 1999 não atrapalhou a curva ascendente da Rio-Sul, com o faturamento recorde de R$ 577 milhões, lucro de R$ 16 milhões e aproveitamento de 60%. A performance financeira contrastava com a da VARIG, atingida pela queda das viagens internacionais.

O sucesso financeiro da Rio-Sul era, em parte, devido a uma estrutura de custos mais baixa e enxuta que sua proprietária, além das benesses de estar sob o manto da VARIG. Por exemplo, a VARIG era a fiadora no BNDES dos EMB-120. Com estrutura inchada, a VARIG apostava cada vez mais na Rio-Sul para competir com a TAM

Dois EMB-120 da Rio-Sul (Embraer)

Sem um gerenciamento correto, investir em uma subsidiária pode criar uma situação em que ela passa a ser concorrente da matriz. Além disso há o risco de estruturas duplicadas e inchadas para a mesma função, principalmente funcionários administrativos.

No caso da Rio-Sul e VARIG, havia também a Nordeste e, mais tarde, a VARIG Log como empresas sem integração entre si. Em resumo, a estratégia foi cuidar mais dos braços bons (Rio-Sul e Nordeste) enquanto o restante do corpo (VARIG) foi negligenciado e ficando cada vez mais doente.

Em 2000 houve a liberação de aeronaves com mais de 100 passageiros a operar em rotas saindo do Santos Dumont. Não era mais pertinente para a Rio-Sul operar estas rotas com o ERJ-145, que foram substituídos pelo 737-500, mantendo o jato da Embraer apenas em rotas de menor volume e concorrência.

Boeing 737-700 com a pintura padronizada da Varig (Rupp.de)

Em uma bizarrice típica brasileira, a Receita Federal classificava a aeronave como turbojato executivo, com regime de tributação diferente das aeronaves comerciais. A Rio-Sul conseguia manter as operações dos aviões graças à liminares que impediam esta esdrúxula tributação.

De toda forma, naquele ano os quatro Fokker 50 foram para a Nordeste e os dois primeiros Boeing 737-300 e mais quatro 737-500, totalizando 16 unidades deste último. Junto com a Nordeste, a Rio-Sul tornou-se uma das subsidiárias da holding VARIG Participações em Transportes Aéreos – VPTA, na reorganização promovida pela Fundação Ruben Berta. O faturamento atingiu R$ 720 milhões, lucro de R$ 55 milhões e 3.685 milhões de passageiros transportados.

Jubileu de Prata

Em 2001, o então presidente da Rio-Sul, Percy Rodrigues, elaborou o projeto ZAPT, uma low cost, low fare subsidiária da empresa, com uma estrutura enxuta e passagens mais baratas para concorrer com a novata Gol. O projeto contou com o apoio do Conselho de Administração da Fundação Ruben Berta e do Departamento de Aviação Civil (DAC), mas foi engavetado pelo novo presidente da Rio-Sul, George Ermakoff.

No Jubileu de Prata, a Rio-Sul recebeu o último ERJ-145, PT-SPP – o único do modelo -LR da frota, e o primeiro Boeing 737-700 Next Generation, PR-SAA, tornando-se a terceira empresa aérea do país a operar o modelo. Configurado para 120 assentos em classe única, a aeronave recebeu adesivagem de uma fita métrica para ressaltar a distância (pitch) entre as poltronas. Como comparação, o mesmo modelo da Gol tinha 136 assentos e a VARIG 120 em duas classes. A distância entre as poltronas nos Boeing 737 foi uma marca registrada da Rio-Sul, que usou até o jogador de basquete Oscar Schmidt como garoto-propaganda.

Os quatro Boeing 737-700, PR-SAE/SAF/SAG e SAH, foram incorporados a frota em 2002. Os EMB-120 foram repassados para a novata Oceanair Linhas Aéreas, com a qual a Rio-Sul assinou contrato operacional. A intenção da Rio-Sul era a padronização da frota em aeronaves da Boeing e o repasse dos ERJ-145 para a Nordeste. Ermakoff apresentou a proposta de uma nova low cost low fare, a Pop-Star, porém o projeto foi rejeitado pela Fundação Ruben Berta.

Boeing 737 PT-SSO, que recebeu uma pintura especial com a logomarca da Varig em destaque (Aeroprints)

Além da Nordeste, a Rio-Sul investiu em logojets como forma de aumentar a receita. Os 737-500 passaram a ter propaganda da Renault (PT-SSM e SSN) e da TELESP Celular (PT-SSP).

Os atentados terroristas de 11 de setembro, racionamento de energia e crise econômica afetaram as operações da VARIG e, por exigência do Comitê de Credores, a empresa gaúcha anunciou a integração operacional com a Rio-Sul e Nordeste. A intenção do comitê era que a performance financeira das empresas da VPTA ajudasse a VARIG a estancar o prejuízo, por meio da redução dos quadros administrativos e maior utilização de aeronaves.

Assim, em 2 de setembro de 2002, as operações conjuntas começaram a funcionar entre as três empresas. Na prática era o fim da Rio-Sul como empresa autônoma. O Boeing 737-500 PT-SSO foi usado para apresentar a nova pintura unificada, com a prevalência do nome VARIG e sob ela, a operadora (VARIG Brasil, Rio-Sul ou Nordeste), porém foi preterido por uma versão mais simples em dezembro daquele ano, com o nome VARIG em Billboard Titles e no laço o nome Rio-Sul. Esta variação foi aplicada nas aeronaves PT-SSC/SSE/SSI (737-500) e no PT-SSK (737-300)

Os dois 737-700 que restaram na Rio-Sul tiveram a adesivagem com o jingle VARIG, VARIG, VARIG e ficaram principalmente na ponte-aérea Rio-São Paulo. Os Boeing 737-500 foram reconfigurados para 120 passageiros.

Nos 26 anos de operações, a Rio-Sul se tornou uma das empresas mais bem sucedidas da aviação comercial brasileira a ponto de concorrer com a sua criadora. É reconhecida não apenas por sua performance financeira ou de serviços, mas pelo recorde de segurança. Em todos estes anos, a Rio-Sul não teve nenhum acidente com vítimas fatais, apenas perdas materiais, um feito digno para se orgulhar.

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