Há 65 anos, decolava pela primeira vez no dia 17 de junho de 1955 o Tupolev Tu-104. A aeronave em questão tratava-se do primeiro jato comercial russo, um projeto tocado pelo próprio Andrei Tupolev, fundador do escritório de projetos, com base no bombardeiro Tu-16 e que havia entrado em serviço na Força Aérea da União Soviética no ano anterior.
O voo foi mantido em segredo até que um ano mais tarde o jato apareceu de surpresa no Aeroporto de Heathrow, em Londres, trazendo uma delegação de dirigentes comunistas à Inglaterra.
A aeronave, de trem de pouso elevado e dimensões consideráveis (mas capacidade para cerca de 50 passageiros) causou espanto afinal o Ocidente ainda engatinhava nos projetos de aviões comerciais. A Boeing, que viria a ser a maior fabricante desse tipo de modelo, tinha realizado o primeiro voo do protótipo 367-80 (que deu origem ao 707) em julho de 1954, mas a entrada em operação só ocorreria em outubro de 1958.
A Inglaterra, por sua vez, havia sido pioneira com o de Havilland Comet, uma aeronave com quatro turbojatos instalados na raiz das asas, que voou bem antes, em 1949, e entrou em serviço em 1952 com um voo da BOAC entre Londres e Joanesburgo, na África do Sul.
Nessa época, no entanto, o Comet estava proibido de voar por conta de problemas em seu projeto que mais tarde se descobriu envolver as janelas de passageiros retangulares, que se rompiam em alta velocidade. O jato britânico só retomaria a carreira comercial em 1958 já na versão aprimorada Comet 4.
Talvez por isso a UAC (United Aircraft Corporation), a holding que hoje controla a maior parte das fabricantes de aeronaves na Rússia, tenha ousado divulgar nesta semana que o Tu-104 foi “o primeiro avião civil a jato do mundo”.
Era do jato
A afirmação dos russos, é claro, tem tons de nacionalismo e orgulho ainda egressos do regime comunista quando qualquer celebridade militar tornava-se héroi da pátria ou algo parecido. Mas em tempos de fake news considerar o Tu-104 como o primeiro avião civil a jato é uma tremenda desinformação.
Nada disso significa que o pioneiro jato soviético não foi importante, pelo contrário. Andrei Tupolev estava inspirado quando decidiu aproveitar o aprendizado com o Tu-16 para criar um jato comercial pressurizado e com asas enflechadas, levando vantagem em relação ao Comet. O Tu-104 também bateu o francês Caravelle como primeiro bimotor a jato em um período em que o uso de quatro motores era quase uma regra.
Maior país do mundo em dimensões, a União Soviética precisava do jato comercial para encurtar distâncias. A rota de estreia do Tu-104 inclusive demonstrou isso, reduzindo o tempo de voo de 13 para apenas pouco mais de 7 horas.
O Tu-104, no entanto, só poderia funcionar no regime comunista já que carecia de viabilidade comercial. Era caro de operar, mantinha características estranhas para o transporte aéreo, como o nariz envidraçado, e precisava utilizar um paraquedas no pouso para reduzir a distância percorrida.
Mas o projeto de Tupolev, e que abriu caminho para uma série de outros jatos comerciais incluindo o supersônico Tu-144, voou na União Soviética por muitos anos, a despeito do número elevado de acidentes. A aeronave foi aposentada pela Aeroflot em 1981 após um grave acidente.
Atualmente, a Tupolev tem focado em projetos de bombardeiros, área onde também teve uma atuação de destaque nos tempos do comunismo. Seu último jato comercial foi o Tu-204, um narrowbody com gritantes semelhanças com o Boeing 757. O escritório de projetos até tentou emplacar outros projetos como o jato regional Tu-324 e até mesmo um inovador widebody de grande capacidade, o “Frigate Ecojet”, mas nenhum deles saiu do papel.
Certo mesmo é que o Tu-104 merece comemorar seus 65 anos – e o fato de ter sido o segundo jato comercial da história.
Veja também: Tupolev Tu-134 faz seu último voo comercial
Qualquer “celebridade militar” virava herói da pátria ou algo parecido? De boa, você acusa os russos de desinformação ao mesmo tempo que a pratica. Se você não conhece como funciona o sistema de condecorações soviético (e o russo atual), apenas não fale nada dele. Ao contrário do ocidente, na URSS o reconhecimento era social (e não pecuniário, pela riqueza amealhada) e era bastante criterioso.