Talvez o mais belo avião de passageiros já criado, o Concorde é o sinônimo de jato supersônico para muita gente, mas talvez essa concepção nunca mais seja vista na aviação. Há anos, a indústria aeroespacial tem se debruçado em projetos de aviões de passageiros supersônicos capazes de serem viáveis economicamente e ao mesmo tempo silenciosos a ponto de superar a barreira do som sem afetar regiões habitadas.
No entanto, se trata de um compromisso dificílimo em tempos em que os jatos mais recentes se esforçam para consumir cada vez menos combustível mesmo que isso signifique na prática um desempenho inferior a projetos mais antigos. Mas os avanços tecnológicos recentes têm feito a ideia voltar a se tornar possível. Entre vários fabricantes que buscam lançar aviões civis supersônicos estão start-ups e também grandes grupos industriais como a Lockheed Martin.
A gigante aeroespacial, conhecida por sua atuações em aviões militares avançados, recentemente revelou um conceito de jato supersônico de passageiros que reflete justamente o aprendizado dos últimos anos.
Demonstrador da NASA
A proposta da Lockheed foi baseada no aprendizado inicial com outro projeto da empresa, o X-59, um demonstrador de tecnologia que está sendo montado por ela a pedido da NASA e que deve voar apenas em 2021.
Mas já houve vários avanços obtidos graças aos programas complexos de computador que têm permitido que engenheiros e projetistas consigam descobrir formas de tornar a era supersônica possível na aviação civil.
O principal deles é como tornar um avião supersônico silencioso o suficiente para que possa voar sobre áreas habitadas. O chamado “boom supersônico”, o momento em que a aeronave rompe a barreira do som, foi uma das causas que fizeram o Concorde fracassar nos EUA.
Embora há quem diga que a proibição do sobrevoo tenha sido uma medida comercial, já que os americanos haviam desistido de produzir um rival para o avião anglo-francês, é fato que o ruído produzido por centenas de jatos supersônicos em uma região teria se tornado um grande problema.
A Lockheed e a NASA pretendem se não anular esse efeito ao menos minimizá-lo a um nível semelhante ao dos jatos subsônicos. A solução será testada justamente pelo X-59, um avião em que as asas enflechadas começam bem para trás da fuselagem e que possuem o chamado fluxo laminar natural capaz de reduzir o boom.
O avião conceitual da Lockheed também usaria motores de baixo ruído e que contariam com entradas de ar que minimizariam esse impacto. Mas é o formato da fuselagem do avião supersônico do futuro que reside mudanças fundamentais em relação ao Concorde.
Menos passageiros, menos velocidade
Suas formas, extremamente delgadas, receberam lemes em V com motores internos escondidos pelas asas. Praticamente um terço do comprimento da fuselagem equivale ao nariz e outro terço, à cabine de passageiros.
Ao contrário do Concorde, o novo supersônico não terá o nariz móvel para facilitar a visão dos pilotos em decolagens e pousos. Em vez disso, eles terão um sistema batizado de XVS, ou sistema externo de visão, um conjunto de câmeras capaz de projetar no cockpit o ambiente de fora do avião.
Os motores pretendidos tentam reunir o melhor de dois mundos: alta razão de diluição e 40.000 libras de empuxo cada, mas sem pós-combustor, o recurso “militar” do avião europeu que queimava toneladas de combustível por hora.
O resultado dessa fórmula será um avião extremamente grande, maior inclusive que o Concorde em comprimento, porém, capaz de levar menos da metade dos passageiros, algo como 40 pessoas em assentos individuais dispostos em fileiras de dois. O porão de carga ficará na parte central traseira enquanto o combustível será levado nas asas e no fim da fuselagem.
O visual, como mostram as imagens da Lockheed Martin, é como o de um avião de papel, longo e com formato de um dardo. Apesar disso, sua velocidade de cruzeiro será cerca de 10% menor que a do Concorde. Até aqui, os estudos da NASA e da Lockheed indicam que superar a marca de Mach 1.8 (quase duas vezes a velocidade do som) tornaria o avião muito barulhento.
Em compensação, o supersônico americano seria capaz de voar sem escalas para destinos transpacíficos, com pouco mais de 5.000 milhas náuticas de alcance ou mais de 9.500 km, contra cerca de 7.200 km do Concorde.
Primeira classe com asas
Esse avião, com quase o comprimento de um Boeing 747, não será uma presença tão comum nos aeroportos caso se torne realidade. Mesmo que seu preço seja aceitável se supõe que os primeiros clientes serão grandes corporações ou companhias aéreas internacionais capazes de colocá-lo em voos entre cidades bastante ricas, onde haveria demanda por ele.
Certamente, rotas como Londres-Dubai ou Paris-Nova York estariam entre as de maior potencial para receber voos do novo supersônico por conta do público-alvo mais endinheirado.
O horizonte desse novo avião, no entanto, ainda está um pouco distante no caso da Lockheed. Será preciso aprender com o X-59 se de fato o que descobriu até agora funciona mesmo na prática. A partir daí serão anos até que um projeto comercial ganhe forma.
Mas a volta dos voos supersônicos é só uma questão de tempo e não mais de tecnologia. Hoje ir da capital francesa à maior cidade dos EUA leva em torno de 7h30, tempo que deverá cair para 4 horas no jato da Lockheed. É um pouco mais do que conseguia o Concorde na sua época, mas certamente uma viagem mais confortável, lucrativa e, sobretudo, silenciosa.
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