Na primeira parte, abordamos os primeiros quarenta anos, período que a VASP passou de uma provinciana empresa aérea para uma das principais do país. Após uma década gloriosa nos anos de 1970, as próximas décadas representariam estagnação, oportunidades e definhamento.
Década de 1980: crises, estagnação e esperanças
Com os números de passageiros da década anterior em alta, a VASP solicitou ao DAC a compra dos Airbus A300 B4-200, os mesmos utilizados pela Cruzeiro do Sul e VARIG, que se tornariam os primeiros aviões de dois corredores da empresa.
Por pressão da concorrência, o DAC negou a importação da versão B4, sob alegação que as rotas da companhia aérea não precisavam do alcance que modelo possuía (6.670 km) e autorizou apenas a versão B2, que tinha alcance inferior (3.400 km). Isso eliminaria a possibilidade da VASP pleitear voos internacionais para os Estados Unidos e Europa, mesmo que fosse com uma escala.
Em outubro de 1980 foi anunciada a compra de três A300 B2K-200 e o contrato foi assinado em 19 de janeiro do ano seguinte. Em 1982, a empresa conseguiu autorização do DAC para também adquirir nove Airbus A310-200 e treze Boeing 737-300, mas em troca deveria vender a frota de 727-200. Posteriormente, a COTAC – Comissão de Coordenação de Transporte Aéreo Civil, negou a importação dos 737-300.
Em 08 de junho de 1982, uma tragédia enlutaria a VASP e a aviação brasileira. O Boeing 727-200 PP-SRK se chocou contra a Serra de Aratanha faltando poucos minutos para pousar em Fortaleza, no Ceará, etapa final do voo VP 168, Congonhas-Galeão-Fortaleza. Com tripulação formada pelo comandante Fernando Paiva, o co-piloto Carlos Barbosa e o engenheiro de voo José Erimar de Freitas, o trijato estava a uma velocidade tão grande ao se chocar com a serra que não houve tempo de ignição do combustível. As partes reconhecíveis do avião eram uma peças de um motor e um painel lateral, enquanto os corpos dos ocupantes só foram identificados por meio de exames forenses.
Na tragédia, todos os nove tripulantes e os 128 passageiros pereceram no que foi o pior acidente da aviação brasileira até o choque do Embraer Legacy com o Boeing 737-800 da Gol em setembro de 2006. Posteriormente, foi constatado que o acidente foi do tipo “voo controlado direto ao terreno (CFIT – Controlled Flight Into Terrain), com alguns agravantes como a situação emocional do comandante, recém-divorciado e com questões financeiras a vencer.
Epaminondas
O dia 22 de novembro de 1982 foi uma data histórica na VASP: pousava em São Paulo o primeiro A300 encomendado, o PP-SNL, que apresentou a nova identidade corporativa da empresa, com três listras azuis em tonalidades diferentes.
Configurado com 240 lugares, sendo 26 na primeira classe, o A300 estreou na VASP no dia 02 de dezembro, ligando Congonhas à Manaus via litoral nos voos VP 190/191. O segundo A300 foi empregado também entre Congonhas e Manaus, porém, com uma única escala em Brasília.
Os aviões foram batizados de Epaminondas (nome de um general grego que virou sinônimo de excelência) em uma campanha publicitária de certo modo de gosto duvidoso. Internamente, o conforto do A300 era complementado com um esmerado serviço de bordo, que incluía lagostas, whisky, champagne, entre outros, e que foi capturado no slogan da empresa: “Jeito brasileiro. Padrão Internacional”.
A empolgação com os A300 contrastava com o panorama econômico do país. O país entrou em uma espiral de crise econômica, aumento da dívida e inflação que tornava inseguro financiar projetos no país e a VASP foi afetada, com os bancos europeus negando recursos para a compra dos A310, fazendo com que eles fossem cancelados em 20 de agosto de 1983.
Alguns dos jatos, versão menor do A300 mas com mais alcance, já estavam com números de construção reservados e posteriormente foram recebidos pela Pan Am com matrículas N801PA (288), N802PA (333) e N804PA (343).
Foi um período ruim na VASP, que era manchete nos jornais pelos casos de corrupção na gestão dos governadores Paulo Maluf e José Marin. Entre os casos que vieram a público foram o inchamento do quadro de funcionários, com muitos fantasmas; a ausência de explicações do porquê pagar US$ 15 milhões a mais pela compra dos A300; abertura de agências em cidades que apoiavam o governo, e a explicação absurda de um executivo sobre o sumiço de querosene da empresa, afirmando que o combustível evaporava dos aviões.
Os casos de corrupção, o aumento da dívida da empresa e a capacidade limitada do governo estadual em financiar a operação eram argumentos para que a VASP fosse privatizada. Desde a ditadura militar, o governo federal teria incômodo em ver uma empresa aérea de relevância nacional estar sob o controle do estado mais rico da federação.
O componente político de ser estatal perseguiu a VASP por várias décadas. Teoricamente, ser estatal significava ter fiança do governo para investimentos extensivos, que precisavam de tempo para recuperar os valores. Por outro lado, no caso brasileiro, ser estatal era estar exposta as mazelas políticas, com a utilização da empresa para fins obscuros, o preenchimento de cargos por meio de indicados políticos em vez de técnicos ou executivos, e ausência de continuidade, quebrando projetos de longo prazo ou até mesmo limitando com validade dentro do mandato do governador.
A VASP teve gestores memoráveis, porém, com trabalhos interrompidos ao trocar de governo. Por outro lado, alguns presidentes eram indicação política e um deles falou abertamente que “não entendia nada de aviação”.
Novas cores
Em 18 de outubro de 1985 era apresentada a nova identidade visual da VASP, elaborada pela agência de publicidade DPZ/SAO. Entre as novidades foram a releitura da logomarca da década de 1930, uma nova fonte para o nome da empresa, que estaria no padrão “caixa alta”, do tipo Billboard, e a adoção de uma única tonalidade de azul. Com algumas alterações em 2000, esta seria a identidade visual que perduraria na empresa até seus últimos dias. O primeiro modelo com as novas cores foi o Boeing 737-200 PP-SME.
No dia 29 de abril de 1986 chegou o primeiro Boeing 737-300 do país, o PP-SNS, ex-Canadian Pacific. Mais uma vez, a VASP se destacava entre as operadoras do 737 na América Latina. Com capacidade de transportar mais passageiros que a versão -200, o -300 não possuía restrições em operar no Aeroporto Santos Dumont.
O dia 29 de setembro de 1988 entraria para a história da aviação brasileira como um dos mais dramáticos. Naquele dia, o 737-300 PP-SNT foi sequestrado por Raimundo Nonato Alves da Conceição, que tinha a pretensão de jogar a aeronave contra o Congresso Nacional. Sozinho na cabine após o sequestrador matar o co-piloto Salvador Evangelista, o comandante Fernando Murilo conseguiu ludibriar o sequestrador e chegou a fazer um “tonneau” para desarmá-lo. O avião pousou em Goiânia com pouco combustível e os policiais conseguiram dominar o sequestrador, que veio a falecer dias depois no hospital. Com exceção do Evangelista e do sequestrador, todos os tripulantes e passageiros sobreviveram ao sequestro, graças o autocontrole do comandante Murilo – o episódio deu origem a um longa-metragem lançado neste ano.
No final daquele ano foi estabelecida uma comissão para privatização da VASP, com o economista Marcelo Antinori designado como presidente da comissão e da empresa. Entre as ações da comissão houve a redução do quadro funcional, cancelamento de escalas e devolução os dois últimos 727-200 da empresa, com o último voo realizado pelo PP-SNG, em 22 de março de 1989. Quase dois meses depois, em 19 de maio, o Boeing 737-300 PP-SNQ realiza o primeiro voo internacional regular da VASP: o VP 820: São Paulo/Guarulhos (GRU)-Galeão-Aruba, operado semanalmente.
Rumo à privatização
Em pouco tempo, os esforços da comissão de privatização começaram a dar resultados, com a empresa voltando ao lucro operacional. Para Antinori, o resultado positivo era devido à gestão conduzida como fosse uma empresa privada, não cabendo ao estado conduzir um negócio lucrativo.
Em 28 de junho de 1989, o então governador Orestes Quércia encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei de privatização: 60% da VASP seria vendida, com o governo estadual mantendo os 40% restantes. Naquele ano a frota da empresa encerraria com 32 aeronaves: 03 Airbus A300 B2K-200, 19 Boeing 737-200, dois 737-200 cargueiros e oito 737-300, que juntas transportaram 5.039.242 passageiros, vice-líder do mercado.
O ano de 1990 começou com o novo presidente do país, Fernando Collor de Mello, tomando uma medida drástica que afetou a população do país: o confisco compulsório das contas bancárias com mais de 50 mil Cruzeiros Novos, paralisando a economia nacional, com o argumento de combater a inflação que já estava descontrolada.
Collor foi eleito com discurso de liberalização econômica, como forma de modernizar o país depois de tantas décadas de protecionismo. Na aviação, o DAC permitiu que as passagens pudessem ter variações de preço, dentro de uma banda pré-estipulada pelo órgão; o fim das zonas exclusivas para as empresas do SITAR; e o fim da monodesignação dos voos internacionais. Neste contexto, a competição na aviação voltava depois de décadas de dormência e acordos de cavalheiros sob benção do governo.
E a grande sensação era a privatização da VASP, que atraiu quatro interessados: Norsul, Líder Táxi Aéreo, Aerosystem (TAM) e VOE/Canhedo. A Líder foi a primeira a desistir, alegando excessiva dívida e “mentalidade empresarial de estatal” da VASP. Posteriormente foi a Norsul a sair do leilão.
A TAM, após aumentos de capitais e manobras que prejudicaram a VASP, agora parecia como uma das candidatas para comprá-la. Rolim Amaro, presidente da TAM, angariou sete bancos para financiar a compra da empresa e chegou até propor uma aliança com a VARIG para apoiar a compra da estatal paulista, sem sucesso.
Com o tempo, os bancos passaram a tirar o apoio à TAM, e Rolim não escondia o motivo: dias após o leilão venceria uma promissória significativa da VASP junto ao Banco do Brasil, que seria um fator chave para quem ganhasse, desde que tivesse conexões políticas. Referia-se ao consórcio VOE/Canhedo, formado pelos funcionários da VASP e por Wagner Canhedo de Azevedo, empresário que fez fortuna ao transportar material para Brasília e que era dono de uma miríade de negócios: empresas de ônibus, transportadoras, mineração, postos de gasolina, fazendas, etc, e que possuía conexões com os donos do poder em Brasília, em especial Paulo César Farias, PC Farias, tesoureiro da campanha do presidente Collor.
Deixando bem claro que era um jogo de cartas marcadas, Rolim desistiu da compra da VASP, restando apenas Canhedo como comprador. E assim, no dia 04 de setembro de 1990, a VASP foi privatizada pelo valor mínimo de US$ 43 milhões para o consórcio VOE/Canhedo, voltando ser uma empresa privada depois de 57 anos. Semanas depois, o Banco do Brasil renegociou a dívida da VASP que venceria, concretizando a previsão de Rolim.
Em 05 de dezembro de 1990 chegaram os primeiros aviões da Era Canhedo na VASP: dois 737-200 (PP-SRW e PP-SRV) e dois 737-300 (PP-SOA e PP-SOB). Wagner Canhedo não escondia sua ambição de tornar a VASP gigante e adotou estratégias agressivas, como solicitar voos com 15 minutos de diferença em relação à Transvrasil, oferecer descontos de 50% nas tarifas e trazer mais aeronaves, em um contexto de recessão devido à Guerra do Golfo.
Mais cinco Boeing 737-300 (PP-SOC, PP-SOD, PP-SOE, PP-SOF e PP-SOG) e três 737-400 (PP-SOI, PP-SOH e PP-SOJ) chegaram à empresa e coube ao PP-SOI inaugurar o segundo destino internacional da empresa, Buenos Aires, em 29 de abril de 1991.
O crescimento assustador da VASP assombrava as concorrentes, que viam uma desregulamentação da oferta do mercado. Houve uma tentativa entre os presidentes das “três grandes”, VARIG (Rubel Thomas), VASP (Wagner Canhedo) e Transbrasil (Omar Fontana) de fazerem ações coordenadas para a redução de ofertas, de tal modo que ninguém sairia afetado pelas mudanças. Na prática, enquanto VARIG e Transbrasil reduziram a oferta, a VASP foi no caminho contrário, aumentando a sua consideravelmente e quebrando o acordo tripartite, ao ponto de Omar Fontana declarar que não faria negócios com Canhedo.
Finalmente, voos internacionais
A expansão não se limitava à frota doméstica, mas também o mercado internacional com o recebimento do DC-10-30 PP-SON, o primeiro de três, em 29 de junho de 1991, e da trinca DC-8-71F, para operações cargueiras internacionais. Com os DC-10 a empresa inaugurou a rota Galeão-Guarulhos-Los Angeles, com três frequências semanais, sendo que uma delas prosseguia até San Francisco. A VARIG também foi autorizada a voar para lá, em uma clara resposta ao voo da VASP.
Canhedo também buscava não só brigar com a Transbrasil, mas comprá-la. Diversas aproximações foram feitas, até que o Omar Fontana resolveu aceitar a fusão. Pela proposta de Fontana, seria criada a holding SP Air, na qual a Transbrasil teria 40% e a VASP 60%, e as empresa continuariam operando com suas marcas, mas com sinergias que poderiam atingir US$ 60 milhões por ano. O negócio não foi para frente pois Fontana desconfiava das intenções do dono da VASP.
Ao começar de 1992, outra novidade, a chegada do novíssimo McDonnell Douglas MD-11, PP-SOW, em 06 de fevereiro. A expansão internacional continuava firme, com pedidos para Miami, realizados em dezembro de 1991, Bruxelas e Seul, rota que era cobiçada pela VARIG e que causou até indicações públicas.
O crescimento pós-privatização foi notável, com a participação da VASP no mercado doméstico indo de 30% para 37% em 1991, além da expansão dos voos internacionais. A frota teve acréscimo de 22 aeronaves, totalizando 54, mas esse crescimento tinha pés de barro.
Canhedo, empresário com experiência em transporte de passageiros de ônibus, trouxe para a aviação as mesmas lógicas, na qual pode bater um concorrente se oferecer mais serviços. Só que a aviação é um setor de capital intensivo, com mais regulamentações que o transporte de ônibus, e mais suscetível às mudanças macroeconômicas e políticas.
O ano, seguinte, 1992, foi marcado pela persistente inflação, estagnação econômica e pelos escândalos de corrupção do governo Collor, levando ao seu impeachment naquele ano. A VASP, tão ligada ao círculo político, também estava envolvida em escândalos. Desta forma, a empresa demitiu 2.500 empregados e devolveu parte dos 737-200, 737-300 e um DC-10 recebidos após a privatização.
Ainda assim a companhia inaugurou as rotas para Bruxelas (18 de junho) e Seul (15 de julho) com os MD-11. Parecia que a expansão internacional dava de ombros para os apuros domésticos, agora com a saída dos DC-10 restantes, do trio de DC-8, além dos 737-300 e 737-400. Todos eles devolvidos por falta de pagamento do leasing.
Neste período a VASP contraiu dívidas de US$ 44 milhões com as arrendatárias Ansett Worldwide (US$ 23 milhões) e Guiness Peat Aviation – GPA (US$ 21 milhões). Sem alternativas, Canhedo decretou moratória unilateral com estas empresas, sem aviso de quando retornaria os pagamentos.
As arrendatárias foram firmes e conseguiram que a justiça fizesse o arresto das 22 aeronaves arrendadas por elas à VASP, que chegaram em Viracopos nos dias 5 e 6 de dezembro, no início da alta estação. Perante o mercado mundial de arrendadores, a imagem da VASP foi arranhada ao ser considerada má pagadora, com as próximas aeronaves tendo um valor de leasing mais alto aro como prêmio para um eventual calote.
Em 1993 foi recebido o terceiro MD-11, PP-SPE, e no ano seguinte o quarto modelo, PP-SPD. Após o turbilhão político-econômico de 1992, gradativamente o Estado brasileiro passou se reorganizar, que culminou com o Plano Real em 1º de julho de 1994, como objetivo de controlar a inflação e garantir estabilidade econômica, algo que não só as companhias aéreas, mas o país como um todo almejava.
A VASP passou a concentrar o crescimento no mercado internacional, a menina dos olhos do Canhedo. Era uma área atrativa, de visibilidade e que passava a imagem de estar na “liga das grandes empresas aéreas”. Por outro lado, era (e continua sendo) mais suscetível às mudanças econômicas e políticas, sem falar no investimento intensivo e de longo prazo para trazer retorno.
Além da expansão orgânica do mercado internacional, a VASP pretendia crescer através de compra de empresas no exterior. A primeira aquisição envolveou a PLUNA, empresa de bandeira do Uruguai, mas o negócio não foi para frente pela inconsistência financeira apresentada pela VASP, segundo o governo local.
Em 1995, a internacionalização começou com a compra de 80% da Transportes Aéreos Neuquén – TAN, uma pequena regional na província homônima, e que não voava para Buenos Aires, onde chegavam os voos da VASP. Mas era a oportunidade de entrar no mercado argentino, que vivia uma estabilidade satisfatória durante o governo de Carlos Menem.
No dia 21 de agosto, a VASP comprou 40,1% da Ecuatoriana de Aviación, que estava com operações suspensas desde 1993. Sem dívidas e com apenas uma aeronave em posse, umC-10-30, a VASP era sócia majoritária junto com o grupo El Júri (10%) e as pretensões da empresa eram de usar o DC-10 na rota Quito-Recife-Paris, conectando-se com a malha da VASP.
E naquele ano, mais uma empresa estrangeira foi adquirida pela VASP, a Lloyd Aéreo Boliviano, da qual foram adquiridos 49% do capital. A ideia era aproveitar a localização estratégica do país e transformá-lo em um hub regional
O valor foi alto para um lance único: US$ 48 milhões, sendo que US$ 32 milhões seriam pagos com a incorporação de um 737-300, US$ 5 milhões em dinheiro pela VASP e o restante em serviços. Curiosamente era a terceira compra de uma Lloyd pela VASP (Iguassú, Nacional e Boliviano). Ao contrário das duas primeiras compras, a LAB representava uma malha consolidada para a América do Sul e Miami.
Estas empresas constituiriam o chamado VASP Air System, uma aliança regional com objetivo de criar serviço seamless para o passageiro e de sinergias econômicas e operacionais para as integrantes da aliança. Posteriormente, a VASP chegou a apresentar proposta para comprar a VIASA, da Venezuela, e teve conversas preliminares com a Aerolíneas Argentinas, ambas controladas pela Iberia e que passavam por crises econômicas.
Com mais MD-11 chegando, a VASP lançaria novas bases no exterior: Miami e Nova York (JFK) em 1994; Atenas, Barcelona, Casablanca, Toronto e Zurique (1995); Frankfurt e Osaka (1996); e Madri (1998). Todavia, o perfil das rotas internacionais da VASP era semelhante ao da Transbrasil: múltiplas escalas domésticas e internacionais, baixa frequência e entrando em mercados sem tradição histórica, cultural ou econômica com o país, além de serem mercados acirrados, como Frankfurt, que tinha a atuação de longa data entre Lufthansa e VARIG.
Entrou-se então em um círculo vicioso em que, sem conseguir atrair passageiros, a empresa baixava o preço das passagens, que enchiam os aviões, mas se voava com prejuízo. Para tentar melhorar as finanças e o perfil das rotas, a VASP assinou acordos de code-share com a SABENA (Bélgica) e a Continental Airlines (EUA), com direito a pintar dois DC-10-30 (N13066 e N14062) com as cores da VASP no lado esquerdo.
Em 1998 a VASP atingiu o auge de operações domésticas e internacionais. Somente ela transportou 5.390.000 passageiros, com frota de 47 aeronaves, operando em 32 cidades brasileiras e 14 no exterior e este número aumentava para 80 se considerar as empresas do VASP Air System. Além do serviço de passageiros, a VASP montou em 1996 uma operação bem-sucedida de transporte de carga porta-a-porta, o VASPEX, com a frota de 737-200F e o recebimento dos 727-200F e de um breve DC-10-30F operado pela World Airways.
Havia planos de entrar no mercado regional por meio da Brasília Táxi Aéreo – BRATA, empresa que o Canhedo tinha na capital federal. No plano internacional, estudava-se a possibilidade de estender o voo semanal de Atenas até Tel-Aviv, além da já citada rota Quito-Recife-Paris com a Ecuatoriana de Aviación.
Esta performance chegaria até ser reconhecida na premiação “Melhores & Maiores” da Revista Exame em 1997, destacando que a VASP havia alcançado faturamento recorde de US$ 1,6 bilhão e lucro de US$ 44,8 milhões. A VASP ainda estava atrás da VARIG, porém, em termos de América do Sul, tornou-se a segunda maior da região, apesar de ter perdido para a TAM a vice-liderança no mercado doméstico.
Mudança de rota
Um fato curioso ocorreu em 1998 quando a Malaysia Airlines ofereceu seus Boeing 777-200ER para a VASP, uma vez que a crise asiática tinha afetado as finanças da empresa, porém as conversações não foram para frente. Naquele ano, a guerra de tarifas nos voos domésticos fez a VASP perder US$ 144 milhões, colocando-a entre as que mais tiverem prejuízo no mundo naquele ano, segundo a revista Flight International. Se 1999 poderia representar a recuperação econômica, o desejo acabou nas primeiras semanas de janeiro, quando o governo federal largou a paridade cambial entre real e dólar.
O efeito imediato da desvalorização do real foi a queda da demanda dos voos internacionais. A VASP cancelou as rotas para Ásia, África, Bélgica, Grécia e o simbólio voo para Aruba, o primeiro destino internacional da empresa. O prejuízo na VASP era tão grande que era necessário a empresa ter os impossíveis 120% de ocupação em cada voo para que não tivesse prejuízo.
Perdendo dinheiro, a VASP foi tomando medidas desesperadoras, como a parada de um MD-11 e a canibalização de peças para as outas aeronaves. Wagner Canhedo propôs durante um almoço com os presidentes das concorrentes a criação da holding “Air Latina”, que englobaria as quatros principais empresas aéreas do país, mantendo a identidade, mas com sinergias operacionais. Todas foram categóricas em não aceitar a proposta.
Uma ação polêmica foi a incorporação da BRATA e do Hotel Nacional no aumento de capital da VASP, reduzindo a participação do governo paulista de 40% para 4,5%. A manobra avaliava as duas empresas valendo mais do que a VASP. Com participação inferior a 5%, o governo paulista perdeu o direito de ter assentos nos Conselhos Administrativo e Fiscal.
O ano 2000 começou sem perspectivas de melhoras para a VASP, com as crescentes liminares para devolução dos MD-11 e 737-300 afetando ainda mais a rede internacional, além do fechamento de várias bases. Em maio foi anunciada a devolução dos quatro MD-11 restantes e a saída dos voos intercontinentais. A malha internacional seria restrita aos voos para Buenos Aires.
A crise na VASP também afetava suas subsidiárias no exterior: a Ecuatoriana passou a ser comandada pelo El Júri e o governo local, a TAN foi vendida em 2000, e na Bolívia, Canhedo e familiares estavam sendo acusados de má gestão no LAB e de fazer ações que prejudicavam a empresa. Um destes casos foi a venda da participação na SITA para a VASP, que revendeu posteriormente por um valor bem acima do que tinha pago.
Em um gesto de desespero para reverter a imagem das crises que passava, a VASP anunciou 50% de desconto em seus voos e um programa chamado “Na VASP você é 10”, na qual o passageiro voava nove vezes pela empresa e o 10º bilhete era gratuito. A pintura foi atualizada, com adição do verde e amarelo dentro da logomarca VASP e a manutenção da marca da comemoração dos 500 anos do Brasil atrás do cockpit. Esta renovação da pintura, de gosto duvidoso, ficou conhecida como Pizza.
2001 começou com a VASP sendo uma empresa puramente doméstica, com o fim dos voos para Buenos Aires em dezembro do ano anterior. Esse ano marcou a entrada da Gol, que enfrentou a VASP e a Transbrasil com aviões novos e preços competitivos. No final do ano, a VASP vendeu suas ações no Lloyd Aéreo Boliviano, encerrando melancolicamente o VASP Air System e a pretensão multinacional do Canhedo.
O fato era que, após o desmantelamento da malha internacional, a VASP perdeu crédito para investimentos, e sua operação ficou apoiada nos já cansados (porém próprios) A300 e 737-200, com alguns 737-300 para a Ponte-Aérea e os 727-200F para os serviços de carga, que vinha obtendo bons resultados.
Mesmo aviões próprios não são infinitos, com eles passando por diversas panes ou necessidades de revisões mais complexas (D-Check). Sem dinheiro, a VASP simplesmente ia desativando as aeronaves, reduzindo ainda mais a oferta e sua participação no mercado. Em 2001 já era a quarta do mercado, após a VARIG, TAM e Rio-Sul. Em 2002, a Gol ultrapassou a VASP, tornando a lanterninha entre as grandes.
Mergulho fatal
A VASP virava uma empresa vegetativa, definhando lentamente, com dívidas de R$ 2,6 bilhões sobre um faturamento que não chegava a R$ 1,2 bilhão. Canhedo alegava que a empresa valia R$ 1 bilhão, por ter créditos a receber do governo devido ao congelamento de tarifas na década de 1980 que praticamente zeraria as dívidas da empresa. Porém, esta indenização era duvidosa de receber, uma vez que o governo se redobrou após ter que pagar a indenização para a Transbrasil em 1997.
No início de 2004, Wagner Canhedo foi preso por não honrar os pagamentos da empresa junto ao INSS. E os funcionários ameaçaram fazer greve por não pagar salários, FGTS, diárias, adicional noturno.
Em 23 de setembro, o DAC determinou a paralisação de seis 737-200 por motivos de segurança, reduzindo a frota ativa do modelo. Do trio Epaminondas (Airbus A300), apenas um estava em operação, com outros dois canibalizados para fornecer peças. Os voos da VASP passaram a ser constantemente cancelados, e o resultado foi a participação do mercado cair para 8,6% naquele mês, índice que não se via há mais de 45 anos.
As fornecedoras de combustíveis e a Infraero passaram a exigir pagamentos diários para continuar servindo a VASP, tamanha era a possibilidade de paralisação da empresa. A General Eletric entrou com pedido de falência junto à Justiça; a Bolsa de Valores de São Paulo suspendeu as negociações dos papéis da empresa. Em outubro a VASP foi desligada da Clearing House da IATA, câmara que faz as compensações das passagens entre elas.
Canhedo renegociou as dívidas junto à Infraero e, mesmo renegociadas, deu cheques sem fundos. O índice de regularidade dos voos era de apenas 18%, ou seja, dos 100 voos programados, somente 18 eram realizados. Em dezembro, a participação de mercado era inferior a 1%, a empresa se tornou insignificante.
Em 2005, a portaria RBHA 91 determinou que a frota de aeronaves enquadradas na Categoria 2 de emissão de ruídos deveria ser reduzida em 20%, afetando os 737-200. Os cancelamentos continuavam e o DAC passou a realizar acompanhamentos diários para ver a operação da VASP. Com o alto índice de cancelamento, o órgão anunciou no dia 26 de janeiro que a VASP estava impedida de realizar voos comerciais a partir da meia-noite do dia seguinte. O último voo de passageiros foi o VP 4265, realizado pelo 737-300 PP-SFJ, que saiu de Fortaleza rumo à Guarulhos, com escalas em Recife, Maceió e Salvador.
Alguns voos cargueiros continuaram até que em 05 de fevereiro o 737-200F PP-SMW realizou o último voo da VASP: VP 9681 Recife-Guarulhos. Era o fim de mais de 70 anos de desafios e conquistas. Apesar do DAC afirmar que a concessão foi suspensa, não cassada, e que poderia ser revogada se a VASP normalizasse sua situação.
Naquele ano seria promulgada a Lei de Recuperação Judicial e a VASP protocolou o pedido em 1º de julho, tornando-se a segunda empresa aérea a pedir proteção judicial, após a VARIG. As atividades continuaram no setor de manutenção, prestando serviços para empresas como a Skymaster e a VARIG Log, e a locação de alguns imóveis.
Chegou a ser proposto um plano de reestruturação da VASP, na qual a Oceanair participaria com a cessão de Embraer EMB-120 ou Fokker 100, além da divisão da empresa em unidades produtivas independentes, como passageiro, carga e manutenção, porém não foi para frente, apesar do apoio dos credores.
Em 17 de julho de 2008 foi decretada a falência da VASP, que seria suspensa em novembro de 2012. Em 06 de junho de 2013 voltou a ser decretada a falência, por motivo que não era mais possível a recuperação da empresa.
A frota ficou espalhada por diversos aeroportos no Brasil, especialmente em Congonhas e Guarulhos. Aeronaves históricas, como o PP-SMA e o trio de A300, ficaram ao relento e sendo corroídas pelo tempo, uma vez que a lenta justiça brasileira impedia que estas aeronaves pudessem ser vendidas.
O abandono delas chegou a tal ponto que só valia para ferro velho e as aeronaves começaram a ser desmanchadas por tratores a partir de 2011, por meio do programa “Espaço Livre – Aeroportos”, do Conselho Nacional de Justiça para remover as aeronaves sob custódia judicial em diversos aeroportos.
Algumas aeronaves conseguiram se salvar, ainda que de forma precária, como o PP-SMA que virou atração de um mercado em Contagem, do PP-SMB na entrada de Nanuque e a dupla PP-SMW e PP-SFI, que foram para uma fazenda do Comandante Edinei Capistrano em Araraquara, interior de São Paulo.
Em 2022 a Infraero fechou acordo com a Leroy Merlin para a construção de uma grande loja no local dos imóveis da VASP. Assim, no início de 2023 começaram a demolição do edifício-sede e dos hangares, aqueles que outrora receberam as aeronaves da VASP.
Foi o réquiem de uma empresa que lutou para nascer, foi estatizada e teve os bônus e ônus de ser estatal, que ora limitavam o seu crescimento, ora a faziam ser refém das ações políticas dos governantes. E quando a oportunidade chegou com a privatização, foi um castelo de areia.
No mês que completa 90 anos de sua fundação, a VASP não foi apenas um orgulho para o estado de São Paulo, mas para o Brasil, com seus bons serviços, inovações e excelência operacional.
Nos dias de hoje é incrível ver como o Governo Federal, via DAC, interferia na vida das empresas aéreas. É um verdadeiro absurdo uma empresa aérea ter que pedir autorização para o governo para comprar uma aeronave, no caso da VASP, os A300 B4, e sendo autorizado somente a versão B2, de menor alcance, impedindo a VASP de disputar com a VARIG, rotas internacionais.
eu fui funcionário a anos da vasp,era tripulante,comissário de vôo,gostava muito,tinha prazer em trabalhar na vasp,mas o canhedo deixou quebrar,e faz 27 anos que não foi feito meu acerto nada,nem a recisão,estou esperando,quero meu dinheiro que trabalhei muito para conseguir.