VIASA, a empresa aérea sete estrelas da Venezuela

Criada com apoio da KLM, companhia aérea floresceu na década de 1970 até sucumbir após ser privatizada
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A VIASA chegou a ter uma extensa malha de cidades europeias, inferior apenas à VARIG (Aldo Bindini).

No final da década de 1950, a Venezuela vivia um processo de redemocratização após a queda do ditador Marcos Pérez Jiménez. O novo presidente Rômulo Betencourt propôs a reformulação das duas principais empresas aéreas do país: a Línea Aeropostal Venezuela – LAV, estatal e que tinha suas origens na Aeropostale francesa e realizava voos internacionais para Estados Unidos e Europa; e a AVENSA, controlada pela família Boulton e pela Pan American World Airways, e concentrada em voos no Caribe e sul dos Estados Unidos.

A LAV vinha de um período de seguidos acidentes fatais e que resultaram em pesadas dívidas e o novo presidente venezuelano queria racionalizar os serviços das duas empresas no mercado internacional. Assim surgia em 21 de novembro de 1960 a Venezoelana Internacional de Aviación S.A, ou simplesmente VIASA. A constituição da empresa era 55% da LAV e 45% da AVENSA. Formalmente lançada em novembro de 1960, a VIASA recebeu os DC-6B da AVENSA e a encomenda dela para dois Convair 880.

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O Convair 880 foi o primeiro jato da VIASA (Jon Proctor).

Uma década de crescimento

Desde o início de sua formação, a VIASA contou com diretores provenientes do setor privado e funcionários oriundos da AVENSA e LAV. Oscar Augusto Machado Zuloaga foi escolhido chairman e R. van den Branden presidente da empresa.

A empresa fechou acordo operacional com a KLM, um dos casos mais bem sucedidos de parcerias na aviação. A KLM ofereceria apoio técnico, treinamento e compartilharia rotas, frequências e aeronaves.

Fruto disso, os primeiros voos da VIASA para Europa foram com os DC-8 da KLM enquanto não recebiam os seus. Os Convair 880 ficaram nas rotas para Nova York, América do Sul e Caribe. Ambas aeronaves possuíam pintura de cada empresa em um lado.

Enquanto a KLM provinha apoio para a VIASA nos voos europeus, a empresa venezuelana operava os voos para o Caribe e América do Sul.

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DC-8 da KLM com logomarca da VIASA e a inscrição Interchange. No lado esquerdo a logomarca da KLM no estabilizador foi substituída pela da VIASA (Divulgação).

Com os resultados positivos, a VIASA passou a expandir seus negócios. Em 1967 fundou a Panameña Internacional de Aviación SA (PAISA), com McDonnell Douglas DC-9-15. No ano seguinte, a Transportes Aéreos de Carga (Transcarga) para serviços cargueiros, assumindo as operações da LEBCA.

Em dezembro de 1968, a empresa recebeu o DC-8-63 YV-C-CIA, depois rematriculado YV-125C, na época a maior aeronave do mundo. Com 160 assentos, o “El Coloso”, como foi batizado, estreou na rota Caracas-Nova York em 1º de janeiro de 1969.

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O DC-8-63 “El Coloso” é visto aqui em Miami. Era a maior aeronave comercial do mundo antes da chegada do Boeing 747 (Divulgação).

Ao completar 10 anos de sua constituição, a VIASA empatava com a Aerolíneas Argentinas pelo segundo lugar entre as companhias aéreas da América do Sul com mais destinos internacionais, atrás apenas da VARIG. Voava para 20 destinos nos Estados Unidos, Europa, Caribe, América do Sul e naquele ano inaugurou serviços para Beirute, sendo a terceira empresa sul-americana além da Panair do Brasil e VARIG a voar para o Oriente Médio.

Uma década grandiosa

Os frutos da parceria entre KLM e VIASA eram profícuos. Graças ao acordo, a VIASA foi a primeira empresa latino-americana a operar o Boeing 747, com o PH-BUG da KLM. O avião tinha a pintura do lado esquerdo da transportadora holandesa e do lado direito da VIASA, com tripulação fornecida por esta.

No dia 1º de abril de 1972, o Orinoco, como foi batizado o avião pela KLM, em homenagem ao maior rio venezuelano, inaugurou os serviços entre Caracas e Amsterdã, via Madri e Paris Orly. No mesmo mês, ela comprou dois DC-10-30 encomendados pela KLM. O primeiro deles, ainda com matrícula holandesa PH-DTG, chegou na empresa no dia três de abril de 1974, dois meses antes da VARIG receber o mesmo modelo.

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O DC-10 foi a principal aeronave da VIASA de 1974 até o final das operações (Udo Haafker).

O Choque do Petróleo de 1973 beneficiou a Venezuela, uma das maiores produtoras do “ouro negro” do mundo. O presidente eleito Carlos Andrés Pérez começou a política de nacionalização de empresas e a VIASA foi uma delas, por meio da compra de 20% das ações da AVENSA pela Aeropostal, chegando a 75% das ações em mãos do Estado.

O efeito do Choque do Petróleo foi que os padrões de vida dos venezuelanos melhoraram significativamente a ponto de terem um dos melhores padrões de vida da América Latina nas décadas de 1970 e 1980, ao ponto de serem a quinta nação estrangeira que mais visitava os Estados Unidos e o país apelidado de Venezuela Saudita.

Isso era refletido no mapa da VIASA em 1980: eram 27 destinos internacionais, sendo oito na Europa, atendidos por seis DC-10-30, três DC-8-53, um DC-8-61F, dois DC-8-63 e um DC-8-63CF. Como referência, a VARIG-Cruzeiro operava 34 destinos internacionais, Aerolíneas Argentinas e Avianca com aproximadamente 24 cada. E, com exceção de 1979, quando a Federal Aviation Administration (FAA) determinou a paralisação de todos os DC-10 após o acidente da American Airlines, a VIASA teve lucro em todos os anos desde que foi fundada.

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Orgulhosa, a VIASA chegou a ter uma das frotas mais jovens do setor e o serviço de bordo era reconhecido mundialmente.

Tempos turbulentos

Se o petróleo foi a benção para a VIASA e a economia venezuelana nos anos 1970, a década seguinte foi o oposto. Com os preços em queda e a crescente dependência do orçamento venezuelano das receitas provenientes do petróleo, o país entrou em crise econômica, afetando duramente a VIASA, que obtinha 100% das receitas através dos voos internacionais.

A parceria com a KLM continuava vigente e possibilitou  o recebimento de dois MD-82 em 1982 para voos caribenhos em parceria com a empresa holandesa. Para reforço das rotas internacionais, o Boeing 747-200C N749WA foi arrendado da World Airways e seria o único a ostentar a pintura da empresa nos dois lados da aeronave.

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N739WA com as cores completas da VIASA (Peter Hoppe).

Entre 1983 e 1984, a VIASA teve redução de 41% no número de passageiros. A empresa, agora 100% estatal, era instrumento das políticas fisiológicas do governo, como a concessão gratuita de passagens para membros do governo e funcionários públicos. Este número de concessões chegava a cerca de 5.000 por mês.

O novo presidente da empresa, Luís Ignacio Mendoza, tomou medidas draconianas: cortou as regalias das passagens gratuitas, cancelou diversas rotas, reduziu em 42% o número de voos e vendeu os DC-8-63 e um DC-10-30, com a frota restrita apenas a cinco DC-10-30 e o mais doloroso: a demissão de 30% dos 3.600 funcionários.

Os resultados começaram a surgir a partir de 1986, com lucro nas operações. A proporção de passageiros estrangeiros passou de 30% para 50% e os DC-10 atingiram a utilização de 12 horas diárias. Para as rotas de médio alcance, dois Airbus A300B4-200 ex-Lufthansa foram arrendados.

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Conhecida por ser “Fábrica de Miss Universo”, a VIASA aproveitou da beleza natural para promover seus voos. Como parte do programa de reestruturação no anos de 1980, foi promovida a divulgação do Caribe venezuelano no exterior. (Divulgação).

Uma conquista importante foi ser autorizada a vender voos domésticos. Pode parecer absurdo um país proibir empresas aéreas deoperar voos domésticos, mas até a década de 1980 era relativamente comum empresas de bandeira, as flag carriers, não voarem rotas domésticas, pois era uma recompensa por não permitir que empresas domésticas – normalmente privadas, de voar para o exterior.

A VIASA começou a vender seus trechos domésticos dos voos internacionais que saíam de Caracas e faziam escalas em Maracaibo ou Porlamar. Por outro lado, as concorrentes AVENSA e Aeropostal – paradoxalmente estatal como a VIASA, passaram a voar para destinos no exterior, principalmente Estados Unidos.

Privatização desastrosa

Em 1989, Carlos Andrés Pérez retornou à presidência da Venezuela, mas o cenário de bonança encontrado 15 anos antes havia mudado significativamente. O país não se adaptou à queda do petróleo na década de 1980, com aumento da dívida externa, inflação e outras mazelas típicas das nações sul-americanas naquela década.

Como a maioria dos países da época, a Venezuela teve que passar o chapéu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para manter a liquidez das suas contas. Influenciado pelo Consenso de Washington, o FMI concordou emprestar dinheiro à Venezuela desde que adotasse medidas de austeridade econômica e a privatização das estatais, entre os quais a VIASA.

A VIASA estava novamente em situação ruim. A crise econômica e a concorrência com as nacionais e estrangeiras nas rotas para os Estados Unidos afetaram a lucratividade da empresa. Em 1990 registrou faturamento de US$ 279 milhões e prejuízo de US$ 43,5 milhões. Mesmo assim, a empresa tinha pretensões de operar com dois novíssimos McDonnell Douglas MD-11.

O governo de Pérez estipulou as regras da privatização da VIASA: venda de 60% da empresa, com os 40% divididos igualmente entre o governo e os funcionários. Os participantes estrangeiros deveriam ter receitas superiores a US$ 1 bilhão e sócios locais com faturamento de US$ 330 milhões.

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Inaugurada em 1969, a Torre VIASA foi ocupada por 2006 por moradores sem-teto (Johnny Gomes).

Os finalistas para a compra da empresa foram um consórcio liderado pela KLM e que tinha a Northwest Airlines e outro formado pela Iberia e o Banco Provincial. A KLM saiu da disputa ao afirma que o valor exigido pela empresa era muito alto. Nos bastidores havia um certo favorecimento à empresa espanhola por causa dos laços de amizades entre Pérez e Felipe González. Em 10 de agosto de 1991, 60% da VIASA foi vendida para o consórcio capitaneado pela Iberia por US$ 145 milhões, superior aos US$ 81 milhões da KLM. Na prática era uma estatal sendo vendida para a outra.

Uma das primeiras ações foi devolver os A300 e trazer os Boeing 727-200 da Iberia para a VIASA, que competiria nas rotas para os Estados Unidos com empresas que usavam aeronaves mais novas, como o Airbus A300, Boeing 737-300 e o Boeing 757-200. Os DC-10 passaram a ser propriedade da empresa espanhola e as decisões sendo tomadas em Madri. A Aerolíneas Argentinas, outra empresa adquirida pela Iberia, também tinha o mesmo mal.

A Iberia em si mesma enfrentava problemas financeiros e a VIASA foi dilapidada em prol da recuperação da matriz. A falta de uma gestão eficiente da Iberia; a rede europeia com muitos destinos e poucas frequências, resultando em bases com pesado custo fixo; conflitos com funcionários, sindicatos e governo; e finalmente a instabilidade econômica da Venezuela fizeram a VIASA afundar ainda mais e em 1996 a empresa teve prejuízo de US$ 18 milhões enquanto transportou 937.000 passageiros, 38.500 a menos que em 1995. Para agravar, uma greve de funcionários em junho de 1996 causou o cancelamento de 500 voos.

Para reestruturar a empresa, a Iberia propôs o aporte de US$ 25 milhões e o Fondo de inversones de Venezuela (FIV), donos dos 40% da empresa, outros US$ 23 milhões. Além disso, a VIASA quitaria parcialmente uma dívida com a Iberia de US$ 150 milhões com o repasse dos DC-10. Em troca, a empresa iria realizar reduzir os salários em 30%, a demissão de 94 pilotos, 140 comissários e 146 funcionários de terra, e os pilotos deixariam de ter os aumentos salariais indexados à inflação e o recebimento da metade dos salários em dólares.

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DC-10 com as cores no padrão Iberia em Paris – Charles de Gaulle, meses antes do fechamento (Michel Gilliand).

Os pilotos rejeitaram a proposta e o governo venezuelano assinalou que não iria fazer aportes e acusou a Iberia de má gestão e corrupção, chegando ao ápice em 22 de janeiro de 1997, ao prender dois executivos da VIASA com ligações com a empresa espanhola momentos antes de embarcarem para a Europa. No dia seguinte, a Iberia anunciou o cancelamento de todos os voos da VIASA, afetando 1.500 passageiros.

No momento da paralisação, a VIASA tinha cinco DC-10 e cinco 727-200. A Iberia e o governo venezuelano ficaram discutindo quem daria a pá-de-cal no fechamento da empresa, já que ambos não queriam ser vistos como os responsáveis.

Diversas propostas foram apresentadas para recuperar a VIASA, uma delas da VASP, que vivia uma fase de expansão internacional. A proposta da empresa paulista era ter 49% da nova VIASA, com 51% com investidores venezuelanos. Ambos investiriam US$ 100 milhões, com mais US$ 40 milhões para comprar ativos, incluindo um DC-10 e 727. Por estar na Categoria 2 da FAA, os voos para os Estados Unidos seriam realizados com aeronaves da VASP. Entretanto, os planos não foram para a frente.

A falência da VIASA foi a soma de fatores como a má gestão da Iberia, a inflexibilidade dos funcionários em fazer concessões, a burocracia venezuelana e a crise que o próprio país atravessava. O buraco deixado pela VIASA nunca foi preenchido, com suas rotas sendo realocadas para Aeropostal e a AVENSA, mas ambas não conseguiram sustentar os voos por muito tempo e as estrangeiras dominaram o mercado venezuelano, que por muitos anos foi um dos mais lucrativos da América Latina.

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A Conviasa foi um dos principais clientes da Embraer na América Latina (Maor X).

A tentativa mais próxima foi a criação da CONVIASA – Consorcio Venezolano de Industrias Aeronáuticas y Servicios Aéreos, pelo presidente Hugo Chávez, com proposta de resgatar os tempos gloriosos da VIASA, mas na prática ela opera até hoje sob interesses governamentais. Uma situação bem longe da época que a empresa se apresentava como Prestígio de Venezuela en el mundo.

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