Para quem gosta de conhecer lugares exóticos, o Círculo Polar Ártico pode ser tão interessante quanto uma praia ensolarada em Fernando de Noronha. Uma das formas mais fáceis e seguras de chegar a esse ambiente inóspito e congelante é pela Suécia, onde a comunicação em inglês é relativamente fácil e a oferta de serviços turísticos é farta.
Para chegar ao Polo Norte pela Suécia é preciso ir a Arjeplog, na Lapônia (a “terra do Papai Noel”), cidade que está na “beirada” do Círculo Polar Ártico, por isso é uma das regiões habitadas pelo homem mais frias do mundo, onde a temperatura pode passar de -40°. O gélido município sueco é a segunda cidade posicionada mais ao norte do planeta, perdendo apenas para Longyearbyen, na Noruega.
A forma mais fácil de chegar a Arjeplog é partindo do aeroporto de Estocolmo, que reúne voos internacionais e regionais. A cidade não possui aeroporto, por isso é preciso voar para Arvidsjaur, que fica a cerca de 100 km do destino. Portanto, você pode desembarcar na Suécia e se houver voos é possível seguir em direção ao Polo Norte no mesmo dia.
A companhia aérea local que voa com maior frequência para Arvidsjaur é a Next Jet que, apesar do nome, trabalha somente com aeronaves com motores turbo-hélice. Esse tipo de avião, mais “parrudo”, é o mais adequado para atender a demanda nessas regiões, que têm poucos passageiros e aeroportos com pistas curtas e muitas vezes cobertas de neve durante o longo inverno da Suécia.
Airway a bordo (e agasalhado)
– Tive a oportunidade de conhecer Arjeplog em 2013, durante uma viagem a trabalho a convite da Fiat. Saí de São Paulo em direção a Frankfurt, na Alemanha, e peguei um segundo voo para Estocolmo. Logo ao chegar na Suécia já embarquei para o Polo Norte, com o bilhete da Next Jet garantido.
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Os voos para Arvidsjaur são realizados com as interessantes aeronaves bimotor BAe ATP, de fabricação inglesa. É um avião totalmente desconhecido no Brasil e que também não fez tanto sucesso na Europa – apenas 86 unidades foram fabricadas entre 1988 e 1996. Outros brasileiros do mesmo grupo de viagem ficaram preocupados com o fato do avião ter hélices em vez de turbinas e também por estar com um aparência um tanto “cansada”, com pintura danificada e peças nas asas fixadas com presilhas de plástico. Realmente não era um “brinco”.
O embarque na aeronave, que é muito “baixinha” para encaixar no finger, é feito na própria pista depois de os passageiros serem transportados de ônibus até o local. Ao entrar no BAe, a impressão que a aparência externa havia deixado não mudou muito: bancos furados, janelas riscadas e uma intensa barulheira, isso com o avião ainda parado.
Antes da decolagem alguns rezaram e outros nem ligaram. Para quem gosta de voar, um avião turbo-hélice desse tipo, com uma configuração já bem antiga, é um deleite. Os motores ligaram um de cada vez, balançando bastante a aeronave. Quando o primeiro motor foi acionado alguns brasileiros a bordo brincaram, dizendo que o piloto havia esquecido de ligar o outro e precisavam avisá-lo…
Comandos testados e equipamentos checados, é hora de decolar. Os turbo-hélices aceleraram ao máximo, emitindo um enorme ruído, e em pouquíssimo tempo o avião já estava no ar, sobrevoando Estocolmo.
A forte vibração do avião em solo se transformou em total estabilidade no momento que as rodas deixaram o chão. O BAe seguiu ganhando altitude até ultrapassar a barreira de nuvens e iniciou seu tranquilo voo de cruzeiro. Segundo informações da companhia sueca, nessa fase a aeronave atinge uma velocidade de 496 km/h a 7.600 metros, uma altitude relativamente baixa comparada a que os jatos operam e que permite aos passageiros visualizarem mais detalhes da paisagem durante a viagem.
Na aproximação para Arvidsjaur, a cerca de 900 km de Estocolmo e a 2 horas de voo a bordo do BAe ATP, o piloto voou baixo, a cerca de 1.000 metros e por um longo período, o que também foi como um voo panorâmico sobre as primeiras paisagens do Ártico. Assim como a decolagem, o pouso foi igualmente tranquilo e realizado em pouco espaço.
O que fazer no Polo Norte
Arjeplog tem menos de 2.000 habitantes, mas durante o inverno a cidade “bomba”. Engenheiros do mundo inteiro visitam a região durante os seus dias mais frios para testarem carros. Há mais de 30 anos a região é um importante centro automobilístico. Dizem que se um carro ligar no frio congelante de Arjeplog, ele vai ligar em qualquer outro lugar com baixas temperaturas no planeta.
Além de questões relacionadas a temperaturas congelantes, também são realizados testes em pisos de baixa aderência para calibrar sistemas de freios ABS e outros controles de segurança utilizados em automóveis.
Para chegar ao Polo Norte de fato ainda é preciso “subir” mais no mapa, em direção a região de Stenuden, a cerca de 60 km. Ao entrar no Círculo Polar Ártico, os visitantes são recebidos por uma placa indicando que chegaram ao “topo” do planeta. Ainda é possível seguir pela mesma estrada por mais 20 km e fim da linha, o mundo acaba, ao menos por esse caminho.
A viagem até Stenuden, que pode ser feita de carro ou de ônibus, pode levar mais de duas horas, pois a estrada é extremamente escorregadia e neva a todo momento. Apesar de estarmos no “fim do mundo”, a cada 20 km havia uma estação de apoio com um máquina de limpar neve.
A culinária local, porém, pode ser um problema aos que não encaram alimentos “estranhos”. O principal produto dos restaurantes tradicionais é a carne de caça. Nos restaurantes que visitei provei carnes de alce, rena e urso, servidas de diversas maneiras (assada, frita, embutida…). Outra opção, desta vez mais comum, são os pratos de salmão. E não falamos da “truta-salmonada” encontrada no Brasil, mas sim do autêntico salmão do Báltico.
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O local também é propício para ver o espetáculo da aurora boreal e brincadeiras com neve não faltam. Mas é preciso tomar muito cuidado com o frio. Em minha estádia a temperatura na região chegou a -34° e qualquer vento no rosto parecia uma saraivada de giletes. Além de cobrir toda a cabeça, também é preciso ter extremo cuidado com o pés. Se o seu calçado ficar molhado no Polo Norte, é bom se apressar em resolver isso ou poderá ter sérios problemas.
No mais, a cidade possui um bar bem agitado, o “Harry’s Pub”, com ótima comida (não tinha urso) e bebidas de todos os tipos, e acabou. Não há muito o que fazer ao ar livre no Polo Norte, até porque seu corpo, mesmo agasalhado, pode congelar em poucos minutos quando exposto ao frio.
A volta
Devido ao mau tempo no dia da volta, o aeroporto de Arvidsjaur fechou e o grupo teve de voltar a Estocolmo via Lulea, a cerca de 250 km. A viagem foi feita de ônibus e novamente por estradas cobertas de neve, o que reduz drasticamente a velocidade de qualquer veículo.
Após três horas, todo o tédio no ônibus (ao menos o meu) foi quebrado pela incrível visão de um caça Saab Draken exposto na entrada do aeroporto de Lulea. E ele não era o único. Mais adiante havia uma frota de antigos aviões suecos.
Além de aeroporto, o local também é um museu das forças armadas da Suécia e uma das bases aéreas suecas mais movimentas, com dezenas de caças Gripen de prontidão.
Como o aeroporto de Lulea, impecável diga-se, é mais estruturado e possui uma longa pista, o retorno a Estocolmo pode ser feita em um jato, um Airbus A320 da SAS, em apenas uma hora. A viagem toda foi ótima, mas foi uma pena não ter voltado em um avião turbo-hélice.
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