No final da década de 1960, o governo brasileiro sob regime militar tinha estabilizado a economia e preparava um ciclo de crescimento acelerado que ficou conhecido como “Milagre Econômico”, baseado no tripé de aproveitar a capacidade produtiva ociosa desde o tempo da administração de Juscelino Kubistchek, investimento estrangeiro em indústrias e obras públicas em setores de infraestrutura.
As obras públicas iam desde a construção de rodovias até hidroelétricas, passando pelo desenvolvimento da indústria petrolífera em alto mar, fortalecimento da manufatura de base e projetos espalhados nos mais diversos rincões do país, com o pretexto de integração nacional.
Diante das perspectivas positivas do país, Cláudio Ricardo Hölck (ou Klaus Richard Höelck em alemão) fundou em 1966 o táxi aéreo Voos Técnicos e Executivos S.A (VOTEC), com as operações começando no ano seguinte com dois helicópteros Hughes 300, um Piper Aztec e um Piper Cherokee.
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Hölck era um veterano na aviação, tendo sido um dos sócios da Nacional Linhas Aéreas, empresa com forte atuação em Minas Gerais e comprada pela REAL em 1956. Mesmo tornado executivo da REAL e, posteriormente, da VARIG, Hölck manteve em sua propriedade a MOTORTEC Indústria Aeronáutica S.A, empresa de revisão de motores aeronáuticos fundada em 1953.
Em 1968, após um ano de operações da VOTEC, Hölck criou em Belém a Companhia Geral de Táxi Aéreo, com objetivo de conseguir contratos estatais.
A crescente carteira de clientes estatais levou o táxi aéreo a comprar mais helicópteros e aeronaves para as operações. Em setembro de 1969, a empresa adotou oficialmente o nome VOTEC Táxi Aéreo e a coligada paraense de VOTEC Amazônia, naquele momento era considerada a maior operadora da helicópteros do Brasil.
A oportunidade com o SITAR
O Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional – SITAR foi uma das mais bem sucedidas políticas de desenvolvimento de aviação comercial no Brasil, pois criou um arcabouço jurídico-financeiro para viabilização das operações regionais, e também foi uma forma de incentivar o uso do Embraer EMB-110 Bandeirante, aeronave perfeita para o mercado regional brasileiro na época.
Para entrar no programa do SITAR, a VOTEC Táxi Aéreo alterou sua razão social para VOTEC Serviços Aéreos Regionais S.A e foi contemplada com a exploração dos serviços aéreos no Centro-Norte, indo desde São Paulo até Belém.
Com a autorização do Ministério da Aeronáutica, em 9 de julho de 1976, a empresa lançou oficialmente suas operações em 11 de outubro na rota Goiânia-São Simão-Uberlândia, com três voos semanais às segundas, quartas e sextas. A segunda rota foi Goiânia-Aragarças, também três vez por semana. Em ambas as rotas o Britten-Norman BN2A era empregado.
Na véspera de completar um mês de operação, a VOTEC recebeu seu primeiro EMB-110, PT-GKI, e no dia seguinte o PT-GKL. Até o fim do ano receberia mais dois EMB-110: PT-GKR e PT-GKS. O Golf-Kilo-Romeo teve a honra de ser a milésima aeronave produzida pela Embraer.
O crescimento da VOTEC foi rápido, pois usou parte dos 15 BN2A da divisão de táxi aéreo para serviço dos voos regionais e a estrutura de manutenção já pronta proporcionada pela MOTORTEC. Logo se tornou a segunda maior regional do país em número de passageiros transportados.
A malha da VOTEC era dividida em três eixos: Goiânia, atendendo o estado de Goiás; Belém, que interligava com Goiânia por meio dos voos no Vale do Araguaia; e São Luís, atendendo as cidades do Maranhão e parte do Pará. O forte da empresa eram as ligações a partir de Belém, que atendiam as demandas de vários projetos governamentais na época, em destaque a construção da Hidroelétrica de Tucuruí, a segunda maior do Brasil na época.
A VOTEC e a TABA eram as únicas empresas que não possuíam relação societária com as três grandes empresas aéreas da época. Desconsiderando a proteção das empresas maiores, a infraestrutura e abrangência da VOTEC era superior a qualquer regional do SITAR da época. O guarda-chuva de tudo isso era a MOTORTEC, que era acionista da VOTEC, VOTEC Amazônia, da Sagres Táxi Aéreo, da TACA, da Aviatec e de 33% das ações da Nordeste Linhas Aéreas via VOTEC, estas financiadas com recursos do Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (DESENBANCO).
Ao final de 1978, a VOTEC operava em 30 cidades com 160 voos semanais, sendo 58 na rota Belém-Tucuruí, devido à construção da Hidroelétrica de Tucuruí, um número altíssimo para uma regional na época. Os voos eram operados pelos EMB-110, exceto a base de São Luís, atendida pelos BN2A. Na mesma época, a VOTEC absorveu a Sagres Táxi Aéreo, recebendo mais três EMB-110 para a frota.
Naquele ano, com a demanda em alta, a empresa comprou em leilão cinco Douglas C-47/DC-3 da Força Aérea Brasileira. Os aviões foram revisados, reconfigurados para 28 assentos e modernizados pela MOTORTEC, sendo colocados em operação em 1979 nas rotas de Belém para Tucuruí e Marabá, e de Goiânia para Aragarças.
A operação de passageiros dos DC-3 foi efêmera, pois o Segundo Choque do Petróleo, em 1979, fez com que o combustível ficasse mais caro e, para reduzir as perdas, a VOTEC retirou em 1980 os DC-3 de operação regular, destinando a eles aos serviços da Rede Postal Noturna.
Em 1980, a VOTEC teve faturamento de Cr$ 1,8 bilhão, com lucro líquido de Cr$ 187,5 milhões, uma saudável margem de 10,4% de rentabilidade. A MOTORTEC faturou no mesmo período Cr$ 1,14 bilhão, com lucro de Cr$ 41,3 milhões, com serviços prestados à clientes como Marinha do Brasil, Força Aérea Brasileira, Transbrasil e até mesmo para os integrantes do SITAR. O grupo também realizava venda de aeronaves da Embraer em 12 estados, prestava serviços de táxi-aéreo, offshore, representação de 26 empresas estrangeiras e era acionista da Nordeste. Grandes conquistas para uma companhia que não tinha 15 anos de operação.
Apogeu e encolhimento
Com a desativação dos DC-3 do serviço regional, a VOTEC confiou no Bandeirante para sua operação regional, mas era preciso recuperar a capacidade dos DC-3 e recompor a frota, reduzida após o EMB-110 PT-LGB cair na Bacia de Guajará, em Belém no dia 24 de janeiro de 1981, após colidir com o mastro de um navio. Era o primeiro acidental fatal da empresa.
Naquele ano, a VOTEC anunciou os planos de incorporação de dois Fokker 27, para atender o aumento de capacidade de passageiros e cargas que a empresa queria. Após recusar oferta da Fokker de fornecer F-27 revisados pelo fabricante, a VOTEC preferiu adquirir três modelos que voaram anteriormente na DETA e Linhas Aéreas de Moçambique, sucessora da primeira após a independência do país.
Os dois primeiros Fokker 27, PT-LCF e PT-LCG foram entregues para a VOTEC em março e abril de 1982, respectivamente.
Antes de chegar à empresa, o PT-LCF foi para Costa Rica para fazer o Check D, entretanto, a revisão ficou aquém do desejado pela diretoria da empresa e a MOTORTEC revisou novamente a aeronave. O PT-LCG e PT-LDT foram revisados exclusivamente nas oficinas da empresa em Jacarepaguá. A VOTEC fechava o ano com dez EMB-110 e três Fokker 27, além de cinco DC-3/C-47 sendo empregados apenas nos serviços da Rede Postal Noturna. A rede de rotas abrangia 27 cidades, com 166 partidas semanais.
Em meados de 1982 a VOTEC e a MOTORTEC unificaram as operações administrativas e de manutenção, com o objetivo de evitar duplicidades e aumentar a sinergia entre as duas empresas. No âmbito da manutenção, a VOTEC fechou a base de manutenção em Manguinhos e a transferiu para o hangar da MOTORTEC em Jacarepaguá, assumindo também a gestão do local. A MOTORTEC ficaria com as oficinas em Pavuna. Naquele mesmo ano vendeu a sua participação na Nordeste Linhas Aéreas para a mineira Translima Táxi Aéreo, do empresário Otto Lima.
A “fusão” entre as duas empresas significou que os engenheiros da MOTORTEC teriam mais voz nas decisões diárias das empresas, com Cláudio Hölck como presidente do Conselho de Administração. Dali em diante a VOTEC seria comandada por executivos que não tinham experiência em linha aérea, que é muito suscetível às mudanças econômicas. Como exemplo, o Milagre Econômico da década de 1970 cobrou seu preço a partir de 1981, com aumento da inflação, desvalorização cambial e crise econômica.
A nova diretoria entendeu que a principal atividade do grupo era a manutenção de aeronaves, a MOTORTEC. Entretanto, o maior cliente era justamente a VOTEC, que pagava valores maiores que as concorrências.
Na companhia aérea, os serviços de táxi-aéreo e offshore eram responsáveis por 55% do faturamento, com o restante pela divisão regional. E os executivos entendiam que as operações offshore eram o principal negócio da companhia aérea, mas os contratos fechados com as estatais – sobretudo Petrobrás, eram baixos com o objetivo de ganhar a concorrência e, com a crise econômica, as grandes obras públicas, comuns na década anterior, foram diminuindo.
Lentamente, a divisão regional foi perdendo a importância e, em 18 de abril de 1984, dois EMB-110 da empresa se chocaram no ar em Imperatriz, Maranhão. O PT-GKL conseguiu pousar no Rio Tocantins e os barqueiros foram os primeiros a ajudar no resgate, com 15 sobreviventes e apenas um caso fatal. O PT-GJZ não teve a mesma sorte e os 17 ocupantes faleceram na margem oposta do rio.
Da frota de oito EMB-110, apenas 4 estavam operacionais, com o restante aguardando por manutenção em Jacarepaguá. Os Fokker 27 tinham alta taxa de utilização, seja nos serviços troncais entre São Paulo e Belém, quanto atendendo a Rede Postal Noturna. No auge, em 1982, a empresa transportou 66,8 milhões de passageiros/km – em 1985 esse número caiu para 46,8 milhões, operando em 23 cidades em 106 voos semanais.
Cai o pano
Em março de 1985, a frota de aeronaves de passageiros da VOTEC era composta por oito Embraer EMB-110, três Fokker 27 e um Douglas DC-3/C-47. O setor de asa rotativa possuía sete Hughes 500C, oito Hughes 500D, dois Sikorsky S-58 – apelidado de Lagostão por sua forma e cor -, cinco Sikorsky S-61 e sete Sikorsky S-76.
Cinco meses depois, o jornal Gazeta Mercantil revelou que a VOTEC tinha interesse de abandonar as atividades das linhas regionais, como forma de reduzir a dívida de curto prazo. Os oito EMB-110, três Fokker 27 e os estoques de peças sobressalentes eram avaliados em US$ 19 milhões. A empresa liderava as perdas financeiras entre seus pares do SITAR e a diretoria entendia que, para consolidar suas finanças, deveria vender a divisão regional, a principal causa dos prejuízos. Meses antes, a VOTEC inaugurou um voo semanal com o Fokker 27 entre os aeroportos Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e Pampulha, em Belo Horizonte.
Um grande feito ocorreu no dia 2 de janeiro de 1986, quando Rio-Sul, TAM e VOTEC receberam autorização para operar voos entre Santos Dumont, Congonhas, Curitiba e Pampulha. Eram três frequências diárias entre Curitiba-Congonhas, Congonhas-Pampulha e Pampulha-Santos Dumont, todos com Fokker 27. Era o início dos Voos Direto ao Centro – VDC, que mudariam o panorama da aviação brasileira na década seguinte. Possivelmente empolgados pelo público executivo que utilizaria o VDC, a VOTEC anunciou dois dias depois que não pretendia mais sair do transporte aéreo regular de passageiros.
Entretanto, em maio a diretoria voltou a negociar a venda da parte regional da VOTEC, com a TAM demonstrando interesse na operação. Como as regras do SITAR não permitiam que uma companhia do sistema fosse incorporada por outra, a solução seria criar uma nova empresa e transferir a concessão para ela. Para tal, Claúdio Hölck foi com Rolim Amaro, presidente da TAM, até o DAC para conversar com o diretor-presidente Waldir Vasconcelos, para ter a benção do órgão para a efetivação do negócio.
O DAC foi favorável à solução proposta, pois não havia outra opção para a VOTEC senão o encerramento das atividades caso não achasse um comprador. Assim, em 26 de julho de 1986 era criada a Brasil Central Linha Aérea Regional S.A, empresa que substituiria a VOTEC no Centro-Norte. O capital da nova empresa era de Cr$ 55 milhões, distribuído 40% para a Táxi Aéreo Marília – proprietária da TAM, 30% para a MOTORTEC e 30% para Barros Ribeiro Participações e Empreendimentos. Os onze aviões Embraer e Fokker, mais peças sobressalentes, foram vendidas por US$ 15 milhões. A VOTEC voltaria ter o nome Táxi Aéreo em sua razão social, e agora com a frota diminuída para onze helicópteros Sikorsky S-61 e S-76.
Em um leve ângulo de descida, a VOTEC e a MOTORTEC foram diminuindo sua importância na aviação e ficando cada vez mais dependentes da Petrobrás. Em 1994, a estatal de petróleo foi responsável por 98% da receita da VOTEC, ou US$ 15,6 milhões, com 2% restantes provenientes dos serviços de manutenção dos helicópteros do governo de São Paulo.
Mesmo com lucro de US$ 6,325 milhões naquele ano, a empresa demitiu 10% do quadro funcional e a frota estava reduzida apenas cinco S-76 e dois S-61. Com a desregulamentação do mercado aéreo no Governo Collor e a estabilidade do Plano Real, a VOTEC chegou a ensaiar o retorno das operações regionais, pois tinha recebido três EMB-110 (PT-GJB, PT-GJC e PT-GKU) da Brasil Central como parte do pagamento de dívidas.
O retorno das operações regionais ficou no papel e o grupo MOTORTEC-VOTEC acabou encerrando suas operações em 1997.