Batalhas aéreas e a disputa pelo coração de uma donzela. Esse é o enredo do filme Wings (Asas, no título usado no Brasil), que impressionou multidões com uma história de amor e drama acompanhada de efeitos especiais levando muitos a acreditarem se tratar de cenas reais. E, por incrível que pareça, essa obra cinematográfica foi produzida da década de 1920.
Campeão de bilheteria e muito elogiado por críticos de cinema da época, a película dirigida por William A. Wellman foi a grande estrela da primeira cerimônia do Oscar, realizada em 1929, no Hotel Roosevelt, em Los Angeles, que premiou produções lançadas em 1927 e 1928. Wings levou as estatuetas de “Melhor Produção” (atual “Melhor Filme”) e “Melhor Produção com Efeitos de Engenharia”, equivalente ao “Melhores Efeitos Especiais”.
No primeiro Oscar não havia ainda a categoria “Melhor Filme”. Nessa ocasião, os prêmios mais importantes eram o de “Melhor Produção” e de “Melhor Produção de Qualidade Artística” (vencido pelo filme “Sunrise: A Song of Two Humans”, de 1927).
Devido a similaridade entre os prêmios, no ano seguinte, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos decidiu instituir o prêmio de Melhor Filme e considerou este equivalente ao prêmio dado a Wings anteriormente, consagrando-o como o primeiro vencedor da principal categoria do prêmio do cinema mundial.
Superprodução
A ideia de gravar o filme Wings partiu do produtor de Hollywood Lucien Hubbard, do estúdio Paramount, que conseguiu angariar US$ 2 milhões para o projeto, na época um valor escandaloso e inédito no mundo do cinema. A escolha do diretor recaiu sobre William A. Wellman, único profissional nessa área em Hollywood que havia participado de combates aéreos na Primeira Guerra Mundial.
O diretor de Wings serviu na “Grande Guerra” ao se alistar na Legião Estrangeira, divisão do exército da França composto por estrangeiros (Wellman era norte-americano). Sua primeira função militar foi como motorista de ambulância e mais adiante se tornou piloto-combatente.
No comando de caças Nieuport 17, Wellman abateu três aviões alemães (outras fontes falam em cinco abates) e encerrou sua participação no conflito após ter sua aeronave abatida por fogo terrestre alemão. O acidente deixou danos permanentes nas pernas do aviador, que passaria a ter dificuldades para andar. Isso, no entanto, nunca o impediu de continuar voando. Inclusive durante a produção de Wings.
Disposto a gravar o melhor filme de todos os tempos, Wellman reuniu um verdadeiro exército de pilotos. Mais de 300 aviadores, incluindo membros do “Air Corps”, antiga divisão de aeronaves do Exército dos Estados Unidos, participaram da produção. Os aviões que aparecem no filme são biplanos SPADs, pintados com as cores dos EUA, e modelos Curtiss P-1 Hawks, caracterizados como aviões inimigos com emblemas da Alemanha.
As gravações das cenas de ação em voo era um perigoso balé aéreo, no qual as aeronaves simulavam perseguições e realizavam inúmeras acrobacias. Não à toa, houve dois acidentes, sendo um fatal que por pouco não levou o exército dos EUA a abandonar a produção. Já as gravações com as pesadas câmeras da época eram realizadas a partir de um biplano Thomas-Morse MB-3 com dois lugares, também emprestado pelo Air Corps.
A maioria das tomadas aéreas foram captadas pelo próprio diretor, que também era responsável por coordenar a posição das aeronaves no céu. Como os aviões ainda não eram equipados com rádio de comunicação, todos as orientações eram na base do grito e sinais com as mãos.
A produção das cenas aéreas levou cerca de dois meses para ser finalizada (o filme todo foi gravado e editado em nove meses) e diversas vezes foi interrompida pelo mal tempo. A condição ideal desejada por Wellman era um céu com poucas nuvens. Em certo momento, os aviões chegaram a ficar 18 dias consecutivos de prontidão, à espera da oportunidade perfeita para as gravações. As tomadas eram realizadas a partir do aeroporto Kelly Field, em San Antonio, no estado do Texas.
A história (alerta de spoiler!)
O filme conta a história de dois pilotos de aviões militares da Primeira Guerra Mundial, Jack Powell (interpretado por Charles “Buddy” Rogers) e David Armstrong (Richard Arlen). Embora amigos muito próximos, os personagens disputam a atenção da bela Mary Preston (Clara Bow), que por sua vez ama Jack em segredo.
Os dois homens se alistam como pilotos de combate no Serviço Aéreo dos EUA. Quando terminam o treinamento, Jack se engana achando que Mary o prefere, iniciando uma inimizade com seu velho amigo. No entanto, essa disputa é esquecida durante o severo treinamento ao qual são submetidos.
Encerradas as preparações, eles partem de navio até a França para lutarem contra os alemães. Mary também entra para o esforço de guerra e se torna motorista de ambulância.
O ponto alto de Wings ocorre com a épica Batalha de Saint-Mihiel, considerado o “Dia D” da Primeira Guerra Mundial. David acaba atingido e dado como morto. Porém, ele sobrevive à aterrissagem forçada e rouba um biplano alemão. Em uma das cenas mais agitadas do filme, o personagem tenta retornar para as linhas aliadas, mas no caminho é confrontado justamente por Jack, que busca vingança pela “morte” do amigo.
Jack acaba matando David por engano e, ao descer em busca de destroços do avião, ele percebe o erro fatal. Precisa dizer quem ficou com a Mary no final?
Ineditismo e polêmicas
Com orçamento milionário, Wings, que foi o único filme mudo que venceu o Oscar, trouxe uma série de novidades para a grande tela. Foi o primeiro longa-metragem produzido em Hollywood com recursos de grandes explosões e cenas de batalhas aéreas com aviões de verdade. Houve até espaço para polêmicas.
Wings foi o primeiro filme que exibiu cenas de nudez masculina e um “beijo fraternal” entre homens – Jack beija o rosto de David ao encontrá-lo morto. O longa também mostrou pela primeira vez um ator alcoolizado: para tornar a interpretação de bêbado mais realista, Rogers entornou uma garrafa de champagne antes da gravação. O ator, então com 22 anos, nunca havia experimentado bebidas alcoólicas.
Foi também a estreia do ator Gary Cooper, que mais adiante venceria o Oscar de “Melhor Ator” em duas oportunidades, em 1942 e 1953, com os filmes Sargent York e High Noon. Em Wings, Cooper tem uma curta passagem com final trágico: o ator interpreta o cadete White.
Apesar da grande aceitação da produção, que ficou em cartaz nos EUA por 63 semanas, o filme foi perdido na década seguinte e acabaria sendo encontrado quase 50 anos depois, em depósitos da Academia de Cinema de Paris. Os negativos da película original, porém, nunca foram encontrados.
Em 1996, a Paramount lançou o título em VHS e, em 2012, foi lançada uma versão meticulosamente restaurada em comemoração aos 100 anos do estúdio, em formatos DVD e Blu-Ray. Desde então, em 86 edições, nenhum outro filme sobre aviação levou a estatueta.
*Todas as imagens que ilustram a matéria são de Domínio Público.
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